No 60º aniversário do golpe, com o Governo Lula permanecendo em silêncio diante dos militares em busca de uma pacificação ilusória que nunca veio – nem virá assim, em negação – experimentei o cúmulo da desilusão.
Não com um partido ou uma liderança política. Meu compromisso sempre foi com o jornalismo. Mas, depois do 8 de janeirosem olhar finalmente para esta ferida aberta que não cicatrizava adequadamente, o Brasil parecia, pelo menos para mim, ter ido longe demais no erro.
A falta de reparação depois da escravatura, a falta de reparação depois da ditadura militar – único país que passou por um regime excepcional sem justiça de transição, algo fundamental na construção de uma nação e de uma sociedade – esgotou a minha capacidade de abrigar esperança neste capítulo .
Uma nova tentativa de golpe, novamente com o envolvimento de Forças Armadasparecia empurrar o país para o que deveríamos ter feito após o fim da ditadura, rasgando a Lei da Anistia, que absolvia torturadores e assassinos de compatriotas brasileiros, em prédios públicos, os condenados sem julgamento, sem direito à defesa, sem nada .
Acontece que parte da sociedade sempre reage. Ou sempre tenta reagir no Brasil. Ela, aquela que estava Rubens Paiva e não os fascinadores que o mataram, como ele ensinou Ulisses Guimarães no discurso da Constituição, levantou-se.
Nesta segunda-feira, 1º de julho, ele veio nos salvar novamente. Ou pelo menos eu.
Nos 15 anos de Instituto Vladimir Herzogcom a sociedade civil gritando em comemoração à vida de Vlado é de Clarisseque segurou a nossa democracia nos braços em 1975 e nos anos seguintes – ela sempre lutou pela reparação enquanto o Estado brasileiro, sob Michel Temer, ainda agarrado à Lei da Anistia – mais uma vez tive um raio de esperança.
O acontecimento foi simples e, ao mesmo tempo, imensamente profundo. Enorme mesmo, na opinião deste colunista que acredita que revisitar o passado – enfrentá-lo – é a melhor forma de construir o futuro.
O diretor Rogério Sottili, representando a instituição, trouxe números que mostram como o ideal de Vlado permanece vivo no trabalho realizado nas periferias, junto aos mais pobres, aos negros e a outros segmentos da sociedade – as minorias – que são, ainda hoje, os que mais sofrem. nas mãos do Estado.
A activista Bianca Santana, em representação da sociedade, questionou sobre os muitos erros do país no passado e deixou ecoar a pergunta: que democracia podemos fortalecer se acharmos razoável não recordar o golpe para não provocar a extrema-direita?
Ivo Herzog, representando a família, lembrou que Clarice foi a grande protagonista da história do instituto, que leva o nome do marido assassinado pelo regime e que, sim, está entrelaçado com a história violenta do Brasil.
Se assim não fosse, a luta de Clarice pelo direito à memória e à Justiça teria importância zero – e é exatamente o contrário – enquanto o Estado brasileiro insiste em negar, não olhar e apagar a verdadeira história brasileira.
A verdadeira história envolve um judeu que viveu duas guerras, antes de dar a vida na última por esta democracia que ainda precisa de tantos avanços, mas sem pessoas como Vlado nem estaríamos aqui. Não com a liberdade que conhecemos hoje.
Os 15 anos do Instituto Vladimir Herzog mostraram que a capacidade da Família Herzog de transformar a dor em algo produtivo para o país não tem fim.
Dessa forma, criou-se uma instituição que não só luta pela verdade e pela justiça desse tempo sombrio, mas também contra toda a violência do Estado que permanece, principalmente contra esses pobres, negros e pessoas das periferias das cidades.
Há também um imenso trabalho na educação para a paz e a convivência entre pessoas diferentes umas das outras. Tudo pela busca – talvez utópico? – de um Brasil justo, antirracista, próspero, democrático e inclusivo.
A esperança. Sempre ela. Saia e volte. Que os gritos das Marias e Clarices neste solo do Brasil, essa dor pungente descrita por Aldir e João, não sejam inúteis.
Viva, IVH!
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