Donald Trump convidou Elon Musk e Vivek Ramaswamy para liderar uma ampla reforma do setor público americano. Todo mundo conhece Musk. Ele já conseguiu dar ré em um foguete, colocar em órbita mais de 6 mil satélites com seu Starlink e está perto de fabricar o primeiro humanóide realmente útil. Isso além de Tesla e uma montanha de coisas. Vivek é menos conhecido. Filho de imigrantes indianos, formado em Harvard, ficou milionário com a biotecnologia. Ambos traduzem a ideia de homem que se fez sozinho. Gostam de ideias libertárias, de governos enxutos, de regras de mercado simples e estáveis e têm um culto obsessivo à inovação. Isto se soma a alguns valores: gosto pelo mérito, liberdade de expressão, horror à retórica acordada. Com um perfil como esse, são vistos com desconfiança por grande parte do establishment. Mas não para senso comumcomo parece ter ficado claro nas eleições.
Em um artigo em O Wall Street Journaleles apresentaram o seu argumento: os “pais fundadores”, que criaram os Estados Unidos, “não queriam que um punhado de burocratas tomassem decisões em nome da sociedade”. Queriam que os políticos eleitos fizessem isso, dentro dos limites da Constituição. Na prática, significa lipoaspiração com despesas e regulamentações não aprovadas pelo Congresso e que podem ser eliminadas por decisão governamental. Leia: de Trump. A suposição mais ampla: a globalização está em pleno andamento. Há uma guerra comercial em curso com os chineses, e eles estão a ganhar o jogo, em muitas frentes.
Na Europa, as vendas de veículos elétricos chineses saltaram de 2% para 14% nos últimos quatro anos. Nos EUA, Biden aumentou quatro vezes a tarifa de importação de veículos elétricos orientais. A guerra tarifária responde à pressão dos lóbis no curto prazo, mas é insustentável. Prejudica a competitividade e pune os consumidores. A solução é aumentar a eficiência. Não se trata de um simples gosto por ideias libertárias, mas de uma urgência económica. Os países que insistirem em transferir o custo da ineficiência pública, da burocracia e da imprevisibilidade jurídica para as suas empresas perderão o jogo. E é aí que entra a reforma, a única forma de reduzir os impostos e recuperar terreno na concorrência global, sem explodir a dívida pública. Algo que conhecemos muito bem por aqui.
“Por que somos um país tão vulnerável a grupos de pressão?”
A questão que nos interessa: enquanto os americanos, com a sua carga fiscal mais baixa e uma produtividade quatro vezes maior, apostam numa reforma radical, o que estamos nós a fazer? De qualquer ângulo, somos nós que precisamos urgentemente de uma reforma deste tipo. Isto se deve ao simples fato de sermos um país pobre, com uma economia de baixa produtividade e um Estado muito ineficiente. No Índice de Liberdade Económica da Heritage Foundation, ocupamos o 124º lugar entre 184 países. Nosso pior desempenho vem justamente dos aspectos de gastos governamentais e saúde fiscal. Quanto à eficiência, a situação é ainda pior. Também este ano, o IBPT realizou um estudo comparando trinta países com elevadas taxas de impostos e o bem-estar gerado, medido pelo IDH. Não teve outro jeito: ocupamos a última posição. Ou seja, impostos elevados, próximos de 33% do PIB, e produtividade estagnada, com a honrosa exceção do agronegócio. Não seria um convite a uma reforma tão ou mais rigorosa do que a que Musk e Vivek pretendem?
Fernando Gabeira escreveu: “O Brasil não reduz os custos da máquina porque as forças que ganham com isso não permitem”. É verdade. Por que um deputado cortaria dinheiro do fundo eleitoral, ou de emendas, dos seus penduricalhos, se não há ninguém exigindo nada disso? Os temas da reforma do Estado são enfadonhos. Há três anos, o Congresso aprovou a PEC Emergencial, prometendo reduzir os gastos tributários, ou incentivos fiscais, de 4,25% para 2% do PIB, em oito anos. Isso está aí, na Constituição. Então é. O Congresso aprovou alguma coisa? O país discutiu o assunto, entre conversas sobre as gafes de Janja e o padre golpista? O mesmo se aplica à avaliação de desempenho dos funcionários públicos. A regra está aí, aprovada há 36 anos, na Constituição. Basta regular. Algum governo se preocupou com isso? Em muitos aspectos, até retrocedemos. A lei das estatais foi desativada, há mais de um ano, por decisão do Supremo Tribunal Federal. Processos de privatização, paralisados. A reforma administrativa está guardada em alguma gaveta. E há poucos dias soubemos que o ministro Flávio Dino determinou a redução da idade de aposentadoria dos policiais civis e federais para 52 anos. Ele derrubou uma emenda constitucional, sem que ninguém tivesse ideia de quanto isso custaria aos contribuintes. Principalmente para os trabalhadores comuns, cuja idade mínima de reforma permanece nos 65 anos.
Além disso, existe o que é um simples privilégio. Recentemente, a Alemanha restringiu o uso de jatos oficiais pelas autoridades. A maioria dos países europeus já faz isso há algum tempo. Então, por que diabos existem mais de cinquenta autoridades com esse “direito” concedido aqui? Porque somos ricos e eles são pobres? Eu não acredito nisso. E por que voltamos a pagar pagamentos quinquenais, justamente para quem ganha mais, no setor público, se isso foi abolido pelo Congresso, no final dos anos 90? A pergunta simples: porque é que somos um país tão vulnerável a grupos de pressão? Existem muitas explicações. A predominância do Estado sobre a sociedade. Nossas duas longas ditaduras, no século XX. A ideia de que uma cultura liberal, baseada na impessoalidade da regra, nunca se enraizou aqui, como tão bem expressou Sérgio Buarque. Uma cultura em que o centro do sistema não é o indivíduo, mas o cidadão e os seus direitos – seja o estudante e o seu direito de aprender, ou o contribuinte e o seu direito a um governo eficiente.
Minha intuição: nossa vulnerabilidade vem da combinação de pobreza e desigualdade. O fato de sermos um país onde 90% da população ganha menos de 3.500 reais por mês. Uma imensa maioria sub-representada nos centros de poder e um estamento, feito a partir da captura do Estado, sobre-representado. É aqui que se torna plausível, desde gastar 5 mil milhões de reais a cada dois anos em campanhas eleitorais, manter o Parlamento mais caro do planeta, preservar todo o tipo de incentivos para o setor privado e alguns milhares de altos funcionários recebendo sistematicamente acima do teto. Tudo feito com boas justificativas. É a síndrome do nosso Barão de Cotegipe, último senador a defender a escravidão, naquela tarde quente de domingo, no Rio, na votação da Lei Áurea. “E os direitos adquiridos?” gritou o velho senador. E qual será “o destino dos libertos, hoje alimentados, vestidos e tratados” pelos seus donos? Seu discurso é a síntese do nosso conservadorismo atávico: direitos adquiridos, procrastinação e um paternalismo malandro. Quem sabe seja a hora de afastar o fantasma do barão, que ainda anda por aí, e encontrar um Musk, criado aqui mesmo. Ou pelo menos um pouco de sua impaciência com tudo isso. Não sei se faremos isso agora. Mas em algum momento teremos que fazer isso.
Fernando Schüler é cientista político e professor do Insper
Os textos dos colunistas não refletem necessariamente a opinião de VEJA
Publicado em VEJA em 29 de novembro de 2024, edição nº 2921
bxblue emprestimos
quero fazer empréstimo consignado
como fazer emprestimo consignado
empréstimo c
bxblue simulação
emprestimo consignado para aposentado inss
emprestimo consignado online rapido
empréstimos consignados
simulação para emprestimo consignado
empréstimo consignado para negativado
emprestimos para aposentados inss