No final da manhã desta terça-feira (10/11), em São Paulo, após uma cirurgia de emergência no crânio, Lula estava “estável”, conversando e comendo “normalmente”, segundo os médicos, em uma unidade de terapia intensiva de um hospital.
Foi quando começou em Brasília uma reunião entre o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, com parlamentares da Frente do Empreendedorismo —o maior dos 281 grupos apartidários da Câmara.
O debate sobre o desequilíbrio nas contas públicas durou algumas horas. Terminou com a certeza de que algo está errado na Praça dos Três Poderes.
Os sinais pareciam revertidos na discussão do pacote de “ajuste fiscal” que Lula pretende ver aprovado antes do Natal (ele havia deixado negociação com os presidentes da Câmara e do Senado para internação emergencial).
Desta vez, a proposta de austeridade financeira não partiu do governo, mas do Congresso.
Os deputados sugeriram mais “ousadia” ao Ministério das Finanças no corte de despesas. Declararam apoio a medidas ainda mais drásticas do que as previstas no projeto do governo, com compromisso com um ajuste “estrutural” nas finanças federais.
Pedro Paulo Carvalho Teixeira, eleito pelo PSD do Rio, apresentou ao secretário da Fazenda um projeto de emenda constitucional, feito em parceria com Kim Kataguiri, da União Brasil de São Paulo, que contém uma receita de austeridade nas finanças muito mais rigorosa do que o defendido pelo governo.
Entre outras coisas, fornece:
• Cortar pelo menos 10% em todos os incentivos e benefícios fiscais, começando com 2% em 2026 e estendendo o reajuste até 2032;
• Reduzir imediatamente em 70% o valor dos pagamentos das chamadas compensações no Judiciário, que inflacionam os salários acima do permitido pela Constituição;
• Desvincular as despesas previdenciárias da política de reajuste do salário mínimo;
• Estabelecer idade mínima de 55 anos, além de 35 anos de contribuição ao plano de previdência integral dos militares;
• Retirar da Constituição a obrigação de gastar com Saúde e Educação;
• Limitar as emendas parlamentares ao Orçamento, suprimindo seu caráter de execução obrigatória para o governo e eliminando o critério pelo qual elas estão vinculadas à evolução da receita corrente líquida —em engenharia reversa, quanto mais cortantes as despesas orçamentárias atualmente classificadas como obrigatórias, mais espaço o Congresso terá teria às suas alterações, que não seriam obrigatórias ou obrigatórias.
A proposta é controversa, pode ser considerada excessivamente “ortodoxa”, mas sinaliza uma vontade de entrar em conflito dentro do Congresso com grupos de interesse que, durante décadas, se apropriaram de fatias significativas do orçamento público.
Para administrações que enfrentam grandes desequilíbrios nas contas, como é o caso do governo Lula, poderia representar uma chance de negociação, mesmo que completa, ou seja, da letra maiúscula inicial ao ponto final. Contudo, o secretário das Finanças nem sequer mencionou o projeto dos deputados.
Dario Durigan insistiu em defender a proposta do governo de um ajuste “não recessivo”. Comemorou os resultados fiscais “positivos” deste ano e criticou o Congresso por aumentar o défice da Segurança Social através da concessão de incentivos fiscais. E também falou sobre o legado maldito do governo Jair Bolsonaro.
Joaquim Passarinho, do Partido Liberal do Pará, ficou incomodado. Presidente da Frente de Empreendedorismo, criticou o governo pela aparente falta de prioridades no seu projecto de ajustamento fiscal. Ele exemplificou a intenção do Tesouro de alterar os critérios de acesso dos mais pobres a programas de assistência financeira, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC). “Querem mudar o BPC, mas não vão mudar a Lei Rouanet (de incentivos fiscais às artes), e isso é falta de prioridade”, disse, lembrando que “o preço político de mudar o BPC é muito alto”.
Ao sair da reunião, o cientista político Leonardo Barreto, da consultoria Think Policy, manifestou sua perplexidade: “Os parlamentares pediram mais comprometimento do governo; o governo respondeu que já estava fazendo muito e pediu mais comprometimento ao Congresso; os parlamentares discordaram e a reunião foi encerrada.”
Saiu com a certeza da mais absoluta incerteza sobre o que o governo Lula quer em relação às contas públicas e o que o Congresso tende a entregar: “O Tesouro tem o argumento de que está tudo bem. Se tudo estiver bem, por que o Congresso arriscará votar por ajustes?”
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