Em sabatina, Boulos cita regra que não existe para livrar Janones

Em sabatina, Boulos cita regra que não existe para livrar Janones



Pré-candidato a prefeito de São Paulo com apoio do presidente Lula (PT), o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL) citou regra inexistente para defender a decisão que tomou no caso envolvendo a suspeita de “rachadinha” contra o deputado federal André Janones (Avante-MG).

Janones apoiou Lula nas eleições de 2022 e o teve como um de seus principais porta-vozes nas redes sociais.

Boulos foi relator do processo disciplinar de Janones no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados e seu trabalho pela absolvição tem sido um de seus principais destaques na pré-campanha em São Paulo. O prefeito Ricardo Nunes (MDB), por exemplo, disse que o rival “legalizou a cisão”.

O deputado disse que recomendou a apresentação da representação contra Janones não pelo mérito da suspeição, mas alegando uma suposta “jurisprudência” que impediria o prosseguimento do processo.

Na sua votação no Conselho de Ética, cuja totalidade pode ser leia aquiargumentou que Janones não estava em posse do mandato no momento da reunião que gerou a suspeita, ou seja, como não era parlamentar, não se poderia dizer que houve “quebra do decoro parlamentar”.

Acontece que todas as evidências apontam para o facto de Janones já ter tomado posse para o seu primeiro mandato (2019-2023) quando solicitou a devolução de parte dos salários dos assessores, em reunião gravada possivelmente em fevereiro de 2019.

Diante disso, Boulos modificou seu discurso e, mais recentemente, disse que a “jurisprudência” a que se refere é aquela que limita os processos no Conselho de Ética aos casos ocorridos no atual mandato (2023-2027).

Não há, porém, nada no regimento interno da Câmara ou no Código de Ética e Decoro Parlamentar que limite os processos de impeachment às infrações ocorridas apenas durante o mandato. Também não há jurisprudência nesse sentido.

A Folha de S.Paulo procurou Boulos para comentar o posicionamento do caso Janones, mas ele não quis comentar. O deputado já havia sido questionado pela Folha de S.Paulo mais de uma vez especificamente sobre as discrepâncias entre seu voto e as provas do caso, mas não respondeu diretamente a essas perguntas.

Contexto

No final do ano passado, foi revelado pelo site Metrópoles um áudio de 2019 em que Janones pedia aos assessores que devolvessem parte de seus salários, esquema conhecido como “rachadinha”. Dois ex-assessores do deputado disseram à Folha de S.Paulo que o parlamentar embolsava parte dos salários pagos aos auxiliares.

Na época, Janones confirmou que os áudios eram verdadeiros, mas disse que se referiam a um período em que ele ainda não era deputado e negou ter cometido qualquer ilegalidade.

Após a divulgação dos áudios, Boulos foi escolhido para ser relator do processo disciplinar aberto no Conselho de Ética e votou pelo arquivamento da representação.

“Não há justa causa, pois não havia decoro parlamentar se não houvesse mandato na altura, o que foge portanto ao âmbito do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar”, afirmou, no seu voto.

Para justificar sua posição, o deputado tem falado em uma jurisprudência utilizada para evitar que políticos envolvidos nos atentados de 8 de janeiro fossem investigados por ainda não terem tomado posse no momento em que ocorreram os atentados.

“Há jurisprudência que diz o seguinte: não se pode julgar o que acontece antes da atual legislatura, do atual mandato com o parlamentar. O que se pode julgar é o que acontece neste mandato, ou um fato novo relevante neste mandato. por que ele foi absolvido”, disse Boulos em entrevista à Folha de S.Paulo e ao UOL na semana passada.

Afirmou ainda que “rachadinha” é crime, independentemente de quem a comete, mas que não pode haver “duplos pesos e duas medidas” na avaliação dos casos.

As provas e documentos relacionados ao caso indicam que a gravação em que Janones fala sobre a devolução de parte dos salários dos auxiliares ocorreu quando ele já estava em posse do mandato.

O deputado disse na reunião com assessores que naquele dia haveria sessão no plenário da Câmara e que ainda não tinha certeza de como proceder, além de reclamar que outros deputados já apresentavam projetos de lei e ele não.

O deputado só poderá apresentar projeto de lei se já tiver exercido o mandato.

A tese defendida por Boulos contradiz inclusive o que ele e o PSOL adotaram nos pedidos de cassação que movidas contra oponentes.

Se o argumento agora defendido por Boulos prevalecesse, por exemplo, as representações do partido contra Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), acusado de mandar matar Marielle Franco (PSOL-RJ), teriam de ser extintas na fonte.

Também seriam desconsiderados pedidos contra Flávio Bolsonaro (PL-RJ), investigado por suspeita de “rachadinha”, e quatro deputados do PL que supostamente incentivaram as depredações do dia 8 de janeiro.

Em todos esses casos, os crimes de que são ou foram acusados ​​referem-se ao período anterior ao exercício do atual mandato no Congresso Nacional.

Como mostrou a Folha de S.Paulo, o voto de Boulos é respaldado pela fala do próprio Janones e por um trecho retirado de decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que, na íntegra, diz exatamente o contrário do que o deputado do PSOL tentou fazer. fazer parecer que sim.

O deputado utilizou em seu voto uma representação protocolada em 2014 no Conselho sob o mesmo argumento, mas ignorou outros casos em sentido contrário. Entre eles está o Brazão, movido pelo mesmo PSOL de Boulos e Marielle. O assassinato do vereador ocorreu em 2018, quando o político carioca era vereador no Rio.



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