– Deus está olhando, hein! – disse sorrindo o deputado Marcelo Crivella, eleito pelo Republicanos cariocas, ao passar por Chico Alencar, do Psol do Rio de Janeiro.
O relógio do plenário da Câmara marcava 19h24. Estava em votação uma proposta de alteração da Constituição ampliando a imunidade tributária das igrejas, com um custo estimado de quatro bilhões de reais por ano para os cofres públicos. O projeto é resultado de uma parceria entre Crivella, pastor da Universal, e José Airton Cirilo, militante católico eleito pelo PT cearense.
Alencar respondeu à ironia ao microfone: – Isso mesmo: Deus está olhando. E Deus não é comerciante, como sabemos… – continuou elencando as isenções fiscais concedidas às igrejas, uma para cada legislatura nas últimas três décadas e meia. São 550 mil templos espalhados pelo país, segundo o IBGE.
O vice-pastor, Sóstenes Cavalcanti, do PL do Rio, comandou a sessão. Foi interrompido às 20h09: – A imprensa noticia que uma pessoa com explosivos se aproximou da entrada do STF – disse a deputada Sâmia Bomfim, do Psol de São Paulo. – Ouviu-se uma explosão no interior do edifício, que foi evacuado. A Polícia Militar e os Bombeiros confirmaram a morte de uma pessoa… Estamos, obviamente, numa situação muito arriscada, muito perigosa. Sinceramente, não me sinto nada seguro em ficar neste quarto sabendo que, lá fora, há bombas sendo explodidas…
Turbulência no plenário. Sentindo-se em risco iminente, o deputado sugeriu a suspensão da sessão, mas o grupo religioso insistiu numa votação rápida, “para homenagear os nossos antepassados”, argumentou Crivella.
– Está tudo perfeitamente seguro – anunciou o vice-pastor Otoni de Paula, do MDB do Rio. – Quem permanecer lá dentro estará seguro. Então, eu recomendo que a deputada Sâmia vote como ela quer votar e então, espere um pouco e vá embora, ela sairá com bastante segurança…
Meia hora depois, a polícia já havia cercado a Praça dos Três Poderes. Detritos das explosões espalharam-se pelo asfalto ao redor do Congresso. A chuva encharcou um corpo caído no chão de pedra portuguesa em frente à escultura “Justiça” de Alfredo Cheschiatti, na entrada do Supremo Tribunal Federal. Alarmado, Lula recebeu chefes da Polícia Federal e do serviço secreto no Palácio da Alvorada. Cercada por policiais, a vice-governadora do Distrito Federal, Celina Leão, confirmou o ataque mortal ao centro do poder.
No plenário, porém, a bancada religiosa insistiu na votação. – Estou atento a todos os fatos – argumentou Sóstenes Cavalcanti, justificando a continuação da sessão. – Parece que não há morte…
– Mas estão explodindo bombas aqui perto – comentou Sâmia Bomfim.
– Temos que ter informações precisas. Este plenário não é orientado pela imprensa – respondeu Sóstenes.
A turbulência aumentou. E o surgimento da segurança coletiva tornou-se uma disputa política, com indícios de psicopatia.
– Veja como a esquerda, o PSOL, odeia igrejas – gritou Marcos Pollon, do PL de Mato Grosso do Sul. – Bando de hereges! Eles querem a destruição das igrejas. Temam o verdadeiro Deus, bando de demônios! Você se levanta contra a igreja e não prosperará. Você se levanta contra os fetos, contra os bebês, e não prosperará.
– Temos que votar esse projeto a qualquer custo agora? Pelo amor de Deus! – protestou Glauber Braga, do Psol do Rio.
– A informação que tenho do chefe da Segurança é que não há toda essa agitação lá fora – insistiu Sóstenes.
– O maior risco aqui é a extrema esquerda – provocou Evandro Gonçalves, do PL do Rio Grande do Norte, que costuma aparecer com uniforme de policial militar.
Chico Alencar apelou: – Pessoal, um pouco de serenidade aqui.
Lenildo Mendes, do PL do Pará, disse: – Se a esquerda está insegura, vá para casa… O Brasil não aguenta pagar tantos impostos para a esquerda continuar reclamando aqui.
O relógio marcava 40 minutos desde a primeira informação. Às 20h48, Sóstenes anunciou: – Acabo de receber a confirmação do óbito agora. Então, por conta disso, vou suspender a sessão para que possa ser investigado.
Maria Goreth, do PDT do Amapá, alertou: – Senhor presidente, não podemos sair, está tudo fechado.
– Está suspenso? Não sei… – Sóstenes, na presidência, ficou perplexo. – Então, quero propor um minuto de silêncio, já que o óbito foi confirmado e, depois disso, suspendemos a sessão. Os seguranças da Casa estão em todos os pontos de acesso, para garantir a nossa saída segura daqui para as nossas casas…
Especialistas em bombas avançavam na varredura dos corredores e escritórios da Câmara. A polícia já havia identificado o morto em uma das explosões: Francisco Wanderley Luiz, conhecido como Tiu França em Rio do Sul, cidade de 70 mil habitantes no Vale do Itajaí, em Santa Catarina. No mês passado, ele disputou uma vaga de vereador pelo PL. Saiu das urnas derrotado, com apenas 98 votos. Ele anunciou a viagem a Brasília nas redes sociais, com o objetivo de iniciar uma “revolução”.
Foi o terceiro ato criminoso e típico de terrorismo em áreas sob jurisdição federal nos últimos 23 meses. Falhas de segurança são evidentes. Eles destacam a confusão política e institucional brasileira.
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