Discussão de nova regra para delações denuncia confusões da ferramenta

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FOLHAPRESS – A eventual aprovação no Congresso de uma proposta que altere as regras sobre delação premiada coroaria uma trajetória acidentada para acordos de colaboração no país. A Operação Lava Jato notabilizou esse tipo de instrumento jurídico no Brasil, mas, devido ao seu uso desajeitado, foi alvo de intenso questionamento.

A denúncia de irregularidades foi regulamentada em 2013, na esteira dos protestos de junho daquele ano, em lei assinada pela então presidente Dilma Rousseff. Meses depois, foi lançada a primeira fase da Lava Jato, operação em que os acordos de colaboração se tornariam um pilar das investigações.

Se as regras atualmente em debate no Congresso estivessem em vigor naquela época, depoimentos de denunciantes como o doleiro Alberto Youssef e o ex-executivo da Petrobras Paulo Roberto Costa nunca teriam sido tornados públicos, pois ambos estavam na prisão quando concordaram em falar.

Os dois revelaram detalhes sobre uma trama de corrupção sistêmica em diversas esferas públicas, o que abriu caminho para que o caso tomasse a proporção que tomou.

À medida que as investigações avançavam, cada vez mais pessoas envolvidas concordaram em firmar novas colaborações, causando situações polêmicas com certa frequência. A começar pelo surgimento da figura do “advogado denunciante especialista”, que acumulava clientes com interesses por vezes conflitantes e que se tornou comum no auge das investigações em Curitiba.

Houve também, na altura, episódios em que as contradições entre denunciantes foram convenientemente deixadas de lado, denúncias sobre alegados favoritismo excessivo a criminosos confessos e até denunciantes que perderam benefícios devido a mentiras.

Como o instrumento foi recentemente implementado, não houve respostas claras sobre o que fazer, por exemplo, no caso de um denunciante que omitiu crimes em que esteve envolvido nem quais foram os critérios para definir o tamanho dos benefícios concedidos.

E houve, simultaneamente, uma pressa das autoridades da operação em fechar acordos com um número cada vez maior de envolvidos, na ânsia de ir cada vez mais longe na investigação. Foi um ritmo intenso de negociações, com mais de 200 acordos assinados só no Paraná.

Naqueles tempos em que a Lava Jato contava com amplo apoio popular, as prisões em aberto eram quase a regra, os habeas corpus eram frequentemente rejeitados nos tribunais superiores e a assinatura de um acordo de colaboração parecia a única alternativa viável para um suspeito sair da prisão.

Situações inusitadas foram se acumulando. No caso dos denunciantes da construtora Odebrecht, no chamado “explicar no fim do mundo”, criou-se um estranho modelo em que um colaborador, mesmo que nunca tivesse sido formalmente investigado e muito menos condenado, concordava junto ao Ministério Público por quanto tempo permaneceria detido. Essa dosimetria, em situações convencionais, só seria definida após a sentença do juiz, ao final de um processo.

Quase ao mesmo tempo, em 2017, outra polêmica atingiu o modelo de delação premiada. Em caso que não tramitou no Paraná, os irmãos proprietários do frigorífico JBS, Joesley e Wesley Batista, obtiveram indulto judicial, mediante pagamento de multa, após confessarem amplo esquema de corrupção envolvendo o conglomerado empresarial.

Os relatórios de Joesley quase custaram o cargo ao então presidente Michel Temer, que foi um dos que questionou o que considerava uma premiação exagerada para um criminoso confesso.

Para piorar, veio à tona que um procurador da Procuradoria-Geral da República ajudou os empresários frigoríficos com o acordo, já em meio ao pedido de demissão do Ministério Público. O indulto de Joesley foi suspenso, ele foi preso e seu acordo acabou renegociado anos depois.

O tempo passou, a Lava Jato foi sendo gradualmente esvaziada e o risco de longos períodos de prisão tornou-se cada vez mais distante para os acusados ​​de crimes do colarinho branco, principalmente depois que o STF (Supremo Tribunal Federal) desautorizou a prisão de réus condenados em segunda instância, em 2019.

Surgiu uma nova circunstância inusitada: os denunciantes passaram a ser praticamente os únicos a cumprir algum tipo de pena na Lava Jato, pois os presos que não chegaram a um acordo puderam gradativamente sair da cadeia e esperar em liberdade até que seus recursos se esgotassem.

Enquanto os ex-presidiários anularam seus processos, com base em supostas irregularidades no início da Lava Jato, os denunciantes – alguns até hoje – enfrentam limitações. O feirante João Santana, por exemplo, ainda tem horas de serviço comunitário para cumprir, enquanto ex-presidiários que não denunciaram, como o ex-deputado Eduardo Cunha, atualmente não cumprem nenhuma pena.

Em 2019, no pior momento da Lava Jato, o Congresso interveio para modificar e ampliar a regulamentação dos acordos de colaboração premiada. O pacote anticrime, originalmente proposto pelo atual senador Sergio Moro e posteriormente alterado significativamente no Congresso, foi aprovado em 2019, estabelecendo uma série de alterações nos acordos de delação premiada.

Entre as mudanças estava a limitação a penas não previstas diretamente na legislação, como regimes mistos de prisão domiciliar. Estabeleceu-se também maior participação do juiz na consumação do compromisso.

Os críticos disseram que essas mudanças já tornaram os acordos desinteressantes para os envolvidos e afetaram um dos principais ativos da Lava Jato. Fosse esse o propósito ou não, o fato é que os acordos de delação celebrados desde então no âmbito da operação criada em Curitiba tornaram-se raros.

Desde o ano passado, porém, o tema ressurgiu no debate político nacional devido à assinatura de acordos entre o ex-PM Ronnie Lessa, que confessou ter matado a vereadora Marielle Franco em 2018, e o tenente-coronel Mauro Cid, ex-assessor de ordens do ex-presidente. presidente Jair Bolsonaro.

Foi a deixa para que o fantasma das denúncias voltasse ao meio político -agora à direita- e ressurgisse a proposta de proibição de acordos com suspeitos presos, que já havia sido debatida no auge da repercussão da operação iniciada em Curitiba . Uma mudança que certamente atrapalharia ainda mais a utilização no Brasil de uma alternativa de reconhecida importância para o combate às organizações criminosas.



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