Dimensão do impacto de mudanças da Meta em cenário eleitoral é incerto

Dimensão do impacto de mudanças da Meta em cenário eleitoral é incerto



SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O impacto que as medidas anunciadas por Mark Zuckerberg, CEO da Meta, poderão ter no cenário eleitoral brasileiro ainda é bastante incerto. Existem diversas lacunas na forma de implementação e pouca transparência sobre como a empresa já aplicou suas regras atuais.

Embora tenha prometido voltar atrás na política de redução do alcance dos cargos políticos (chamados de “conteúdo cívico” na empresa), é difícil prever se isso resultará, por exemplo, numa radicalização ainda maior do debate digital ou se algum campo político pode acabar se beneficiando mais com novas mudanças no algoritmo.

Meta possui Facebook, Instagram e WhatsApp. Na última terça-feira (7), Zuckerberg lançou um vídeo anunciando mudanças nas políticas de moderação de conteúdo da empresa, no que foi visto como uma homenagem ao presidente eleito dos EUA, Donald Trump. A decisão inclui o fim do programa de checagem de fatos – agora serão os usuários que incluirão correções em postagens que possam conter informações falsas, à semelhança do que acontece no X (antigo Twitter).

O impacto da implementação das notas comunitárias também dependerá muito de como ela será colocada em prática – caso isso ocorra no Brasil.

Entre os pontos em aberto sobre as mudanças está como seria criado esse novo sistema, quem o comporia e como seriam mitigados os preconceitos ideológicos.

Além disso, outro aspecto é o tipo de conteúdo para o qual este sistema seria válido. Hoje, por exemplo, postagens de políticos e candidatos não estão no escopo que pode ser analisado por agências de fiscalização, por exemplo.

Outro aspecto relevante é que também não há transparência sobre quais figuras públicas estão no programa, o que dá uma espécie de “tratamento diferenciado com moderação”.

Um cenário que, por enquanto, emerge com maior concretude é que, face à retirada de parte das regras sobre género, os grupos vulneráveis ​​enfrentam um ambiente digital e de campanha mais violento.

Uma das atualizações passou a permitir, por exemplo, que usuários associassem a transexualidade e a homossexualidade a doenças mentais.

Já a resolução do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) sobre propaganda eleitoral traz condicionantes, de forma mais específica do que o restante da legislação, prevendo, por exemplo, a obrigação de as empresas adotarem medidas eficazes para mitigar determinados riscos, incluindo a violência política baseada no género. Também estabelece a necessidade de políticas de conteúdo que busquem reduzir a circulação de desinformação.

Outra medida anunciada pela Meta que pode impactar é a remoção da detecção automatizada de “violações de baixa gravidade”, que passariam então a depender de relatos de usuários para análise. Não está claro, no entanto, o que se enquadraria nesta categoria.

A decisão da empresa vai contra o que dizem os especialistas, que apontam não a necessidade de reduzir a automação, dado o volume de postagens a cada segundo, mas sim de aumentar equipes de revisão humana, com conhecimento da linguagem e do contexto de cada país? A empresa não revela quantas equipes desse tipo possui hoje.

Viktor Chagas, professor de comunicação da Universidade Federal Fluminense, afirma que, pela falta de transparência nas redes, é um grande desafio tentar mensurar como são realizadas as políticas de remoção de conteúdo e redução de alcance.

“Sempre foi uma grande caixa preta, sempre tivemos extrema dificuldade em mensurar como esse tipo de política de moderação é aplicada”, afirma. “A própria definição do que é conteúdo político, entre os próprios pesquisadores, certamente não seria um consenso tão simples.”

Mariana Carvalho, professora da FGV Comunicação Rio, avalia que ainda será preciso entender como as novas regras impactarão a moderação, mas prevê que o combate à desinformação será mais difícil. Ela destaca, por outro lado, a dificuldade na realização de estudos sobre o impacto das mudanças, com a crescente dificuldade de acesso aos dados por meio de plataformas.

Sobre a restrição de conteúdos sobre política, ela diz que é difícil mensurar o quanto a limitação fazia sentido durante o período eleitoral, quando há grande interesse pelo assunto.

No ano passado, esta política foi elencada, com destaque para o aspecto da transparência, entre os motivos para a abertura de uma investigação por parte da União Europeia contra a plataforma. Em 2022, quando já estava em vigor, o Brasil viveu uma campanha bastante radicalizada, que culminaria nos ataques de 8 de janeiro.

Um dos efeitos já anunciados nos EUA, e que deverá ser replicado em outros lugares do mundo, é que agora serão recomendados até mesmo conteúdos políticos de contas que um usuário não segue.

Em 2024, essa possibilidade já estava disponível nas configurações. Mas foi restringido no Brasil durante o período eleitoral devido a uma regra do TSE, determinando que as contas dos candidatos não poderiam ser recomendadas.

Carlos Affonso Souza, diretor do ITS (Instituto de Tecnologia e Sociedade) e advogado, considera que ainda é cedo para perceber o quanto o que foi anunciado irá afetar o debate eleitoral. Por outro lado, ele ressalta que, com as resoluções do TSE, já existe um caminho melhor traçado para lidar com a empresa.

Entre as incertezas, ele destaca que não se sabe se violações de baixa gravidade ?e que dependeriam de relatos de usuários para moderação? incluiria conteúdo sobre integridade eleitoral e produzido por inteligência artificial. E aposta que, até 2026, o TSE deverá criar regras sobre o uso de notas comunitárias para moderação, assim como tratou da inteligência artificial no ano passado.

Um ponto de atenção é qual será a postura sobre a questão do ministro Kassio Nunes Marques, indicado por Jair Bolsonaro (PL) para o STF (Supremo Tribunal Federal) e que será o próximo relator do processo de atualização de resoluções eleitorais e presidente do TSE durante as eleições de 2026.

Além disso, a eventual finalização do julgamento do STF sobre a responsabilidade das plataformas poderá colocar mais barreiras ao que Zuckerberg promete mudar.

Questionado sobre a aplicação das medidas no Brasil, se as restrições às postagens de políticos para verificação se repetiriam no modelo de notas comunitárias e sobre a existência de relatos sobre como vem aplicando sua política de conteúdo político, o Meta restringiu-se a enviar o link do anúncio da semana passada.



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