Lula acertou ao vetar parte de um projeto de lei (nº 1.213/2024) aprovado recentemente na Câmara e no Senado que altera a natureza do trabalho dos funcionários das agências reguladoras.
Deputados e senadores criaram a possibilidade de servidores públicos desses órgãos terem “outra atividade profissional”. Em outras palavras, duplo emprego. É um drible na Constituição.
O veto governamental, na prática, impede a legitimação do conflito de interesses no serviço público e, de certa forma, atenua o colapso da credibilidade prejudicada da maioria destes órgãos estatais.
As agências foram criadas há duas décadas como instrumentos de monitorização, controlo e regulação de actividades económicas relevantes. A maioria vive com recursos financeiros e humanos precários, frequentemente envolvidos em disputas políticas e, invariavelmente, sujeitos a pressões do sector privado e do próprio governo.
Poucos resistem, como a Anvisa. Durante a pandemia, Jair Bolsonaro quis impor regras particulares para permitir a disseminação de elixires “alternativos” ao vírus Covid-19 (à base de hidroxicloroquina, ivermectina, azitromicina e annita, entre outros “medicamentos”). A Anvisa vetou.
Caso oposto é o do Cade, órgão responsável pela defesa da concorrência no jogo empresarial. Lula queria ampliar os investimentos estatais no refino de petróleo, mas a Petrobras havia assumido o compromisso com o órgão de vender suas refinarias, renunciando ao seu monopólio setorial. Pressionado, o Cade aceitou em tempo recorde que a Petrobras renunciasse ao acordo antimonopólio, não vendesse refinarias como planejado e até ampliasse seus investimentos no setor. O Cade passou a ser visto como um novo “anexo” do Palácio do Planalto.
A Câmara e o Senado exageraram ao aprovar e submeter à sanção presidencial um projeto que permite que funcionários de agências reguladoras tenham dupla função, com outra atividade profissional. Abriram a porta à anarquia no serviço público, que já é caro e disfuncional para o público pagante. A Constituição estabelece que os funcionários do Estado devem obedecer rigorosamente aos princípios da moralidade, da eficiência administrativa e da igualdade. O duplo emprego, neste caso, representaria a negação, ou a desordem que se confunde com a libertinagem. Agora, deputados e senadores precisam decidir se mantêm ou derrubam o veto.
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