27/08/2024 – 20:21
Vinicius Loures/Câmara dos Deputados
Sâmia Bomfim (D) iniciou mobilização na Câmara dos Deputados
Após audiência na Comissão de Legislação Participativa nesta terça-feira (27), a deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP) iniciou mobilização na Câmara dos Deputados em busca de uma solução para o chamado “Caso Sônia Maria de Jesus”, a história de a mulher de 50 anos, negra, surda e com visão monocular, resgatada da casa do juiz Jorge Luiz de Borba, em Santa Catarina, sob a acusação de ter sido mantida por 40 anos em trabalho análogo ao escravo.
O resgate ocorreu em junho do ano passado, realizado por fiscais do trabalho. Dois meses depois, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) discordou da denúncia e autorizou a vítima a retornar para a casa dos patrões. Houve repercussão internacional, o que levou ao surgimento da campanha global #sonialivre. O caso já chegou ao Supremo Tribunal Federal, onde Sâmia Bomfim quer debater o tema em reunião com ministros e parlamentares das Comissões de Legislação Participativa, de Direitos Humanos e de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência e da Bancada Negra da Câmara. Também não está descartada a possibilidade de denúncia do Brasil à ONU por violação da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
“Mais parlamentares e mais comissões envolvidas aumentam a pressão sobre o Supremo. Além disso, claro, em caso de não retorno, uma queixa à ONU, precisamente porque o país, na prática, não cumpre a convenção da qual é signatário, bem como (denúncia) ao Inter -Comissão Americana de Direitos Humanos, para endossar as denúncias que já foram feitas”, disse o deputado.
A sugestão para a participação da Câmara nas pressões ao STF partiu da ex-secretária nacional dos direitos das pessoas com deficiência, Izabel Maior, para quem o “Caso Sônia” revela “extrema violação dos direitos humanos” e a reprodução das relações escravistas. Izabel atualizou a análise jurídica, por enquanto a cargo da Segunda Turma do STF, na qual o ministro André Mendonça solicitou mais informações sobre o caso e manteve Sônia na casa da família do juiz catarinense.
“Até agora só temos uma posição individual do ministro Mendonça, que nenhum de nós quer perder o respeito. Mas precisamos saber a opinião do tribunal.”
Os organizadores da campanha #sonialivre rebateram os argumentos do juiz catarinense de que Sônia sempre foi tratada “como se fosse da família”. Eles lembraram, por exemplo, que seus quatro filhos biológicos têm ensino superior, enquanto Sônia teve negados direitos básicos à educação, saúde e cidadania, como documentos e aprendizado de Libras para se comunicar. Coordenadora da campanha, a juíza trabalhista aposentada Mylene Seidl leu trechos da ação pública em curso na Justiça para dizer que Sônia pode ter sido vítima de outros crimes.
“Outras hipóteses que foram levantadas são o trabalho infantil, o tráfico de pessoas e a Lei Maria da Penha. Tudo isso precisa ser verificado também”, destacou.
A família biológica de Sônia é natural de Osasco (SP). A irmã, Marta de Jesus, lembrou que a mãe, já falecida, nunca abandonou ou entregou os filhos para outras famílias criarem. Sônia perdeu o vínculo com a família biológica aos nove anos. Mesmo agora, o contacto tem sido difícil, com visitas praticamente uma vez por mês.
“Entendemos que, a princípio, eles não tinham as informações da família, mas, uma vez que surgimos, seríamos a primeira opção para a ressocialização da Sônia, e não o seu retorno ao local onde se encontrava todo esse cenário. “, argumentou a sister. “Eu sempre digo: a Sônia é a prova viva de tudo que está sendo acusada. Você a visita e tem vontade de perguntar: como vai? E Sônia não consegue nos contar como está a situação dela. E isso dói demais.”
Relatórios
O Ministério dos Direitos Humanos acompanha o caso e informa que, só em 2023, houve 3,4 mil denúncias de trabalho escravo no Brasil, o maior registro desde que o Disque 100 começou a receber notificações desse tipo. Representante do ministério, Naira Gaspar lembrou que o próprio ministro Silvio de Almeida visitou Sônia. Segundo ela, a prioridade no momento é garantir o acesso ao idioma para que Sônia consiga comunicar seus sentimentos pela Libras. Naira também expressou preocupação com o fato de o Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo ter recomendações especiais em relação às pessoas com deficiência.
“O marcador da deficiência, na intersecção de raça, gênero e classe, torna essas pessoas muito mais excluídas e muito mais suscetíveis a todos os tipos de violência”, afirmou.
O presidente do Quilombo PCD, Marcelo Zig, lembrou que só a partir de 2020 é que as pessoas com deficiência entraram oficialmente nas edições do “Mapa da Violência” e, mesmo assim, os dados são subnotificados pela dificuldade de denúncia pelas vítimas.
A deputada Carla Ayres (PT-SC) anunciou um projeto de lei para coibir situações de “resgate” – quando as vítimas são encontradas mas acabam retornando ao local de onde foram resgatadas.
“Está tratando esse fato como uma distorção da justiça. O Estado brasileiro precisa efetivamente dar respostas, porque senão teremos uma perda histórica em todas as tentativas de avançar no combate ao trabalho análogo ao escravo”, afirmou.
Os participantes da audiência na Câmara também manifestaram solidariedade aos auditores que denunciaram o “Caso Sônia” e foram afastados do trabalho. Um dossiê sobre o caso foi entregue na semana passada ao relator da ONU sobre Formas Contemporâneas de Racismo, Ashwini KP. Até 6 de agosto, a campanha intensifica ações mobilizando 30 dias de ativismo em prol de #sonialivre.
Relatório – José Carlos Oliveira
Edição – Ana Chalub
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