13/11/2024 – 19h47
Vinicius Loures/Câmara dos Deputados
Sâmia Bonfim (C): “Durante os últimos 40 anos a aplicação irrestrita deste tratado ignorou situações de violência doméstica”
Os debatedores defenderam, nesta quarta-feira (13), mudanças na legislação para facilitar a retirada de crianças de seus países de origem em casos de violência doméstica. Essa medida evita que mães que retornam ao Brasil com os filhos sejam acusadas do crime de sequestro internacional nesses casos.
Elas foram ouvidas em audiência pública na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados.
A Convenção de Haia, ratificada pelo Brasil em 1999, considera a remoção de menores de seu país de residência sem a autorização de ambos os pais ou responsável legal como uma violação dos direitos da família e da criança.
O texto permite exceções em casos de “situação de grave risco físico e mental”. Contudo, como não existe um parâmetro global para determinar o contexto da violência doméstica, a norma é interpretada de forma restrita com base na intensidade, frequência e natureza da violência.
Vinicius Loures/Câmara dos Deputados
Janaína Albuquerque: pelo tratado de Haia, o ônus da prova em casos de violência é da vítima
Antes da Lei Maria da Penha, o tratado determinava, por exemplo, que o ónus da prova em casos de violência recai sobre a vítima, observou Janaína Albuquerque, representante da Revibra Europa – rede de apoio a mulheres migrantes vítimas de violência doméstica e discriminação .
Segundo ela, as vítimas de violência doméstica no exterior também enfrentam xenofobia, dificuldades financeiras, preconceito por não falarem uma língua estrangeira e risco de serem criminalizadas. “A mulher corre o risco de ser presa, de ter que pagar multa, de perder a guarda imediatamente, de não ter acesso à criança”, disse.
“O Brasil, tendo as ferramentas, pode estar na vanguarda dessa mudança em nível internacional, porque há discussões no exterior, mas ainda há muita resistência”, acrescentou, ao defender a aprovação, pelo Senado, do Projeto de Lei 565/22, já aprovado pela Câmara.
O projeto estabelece que existe risco quando um país estrangeiro não adota medidas eficazes para proteger a vítima e as crianças e adolescentes da violência doméstica. O texto ainda precisa ser aprovado pelo Senado.
A deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP) é favorável à aprovação da medida. Na sua avaliação, o tratado precisa de ser modernizado para reflectir o cenário actual em que as mães regressam ao seu país de origem com os filhos fugindo da violência doméstica.
“Durante os últimos 40 anos, a aplicação irrestrita deste tratado ignorou situações de violência doméstica contra mulheres migrantes brasileiras e seu impacto direto e indireto na vida de seus filhos”, afirmou.
Vinicius Loures/Câmara dos Deputados
Raquel Cantarelli aguarda decisão do STJ para recuperar a guarda das filhas que estão com o pai na Irlanda
Contribuição brasileira
Flavia Ribeiro Rocha, representante da Autoridade Administrativa Central Federal, órgão do Ministério da Justiça responsável pelo cumprimento dos acordos internacionais, disse que o conceito de alto risco – presente no tratado – varia entre os países signatários, o que pode gerar incompatibilidades no aplicação do acordo.
“Precisamos de mecanismos mais específicos para a convenção e de mecanismos cada vez mais sensíveis para a aplicação da convenção”, argumentou. Ela reforçou que o Brasil liderará um fórum internacional sobre violência doméstica e poderá contribuir para o avanço das leis nacionais que tratam do tema.
Na mesma linha, o procurador Boni Soares destacou que a Convenção remonta a uma época em que a violência doméstica era considerada tabu. Ele defendeu reforma na legislação brasileira para incorporar o entendimento de que não é necessária a apresentação de provas para reparação de danos morais decorrentes de violência doméstica.
“A Lei Maria da Penha também pode ser aprimorada para estabelecer esses padrões de produção probatória nos casos de violência doméstica em geral. Isso certamente esclareceria o judiciário brasileiro na compreensão das provas de violência doméstica nos casos de sequestro internacional de menores”, afirmou. .
Mãe de Haia
Durante a audiência, Raquel Cantarelli, mãe de Haia, como são chamadas as mulheres que perderam a guarda dos filhos após decisão judicial baseada no tratado, disse que também foi prejudicada pela dificuldade de produzir provas que comprovem os crimes de falsificação. prisão e abusos cometidos contra as suas filhas pelo seu pai na Irlanda.
“As nossas vidas foram violadas por um erro judicial que não só nos alienou, mas também feriu profundamente os princípios da protecção e da dignidade humana”, afirmou. Ela aguarda decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para recuperar a guarda das filhas.
Reportagem – Emanuelle Brasil
Edição – Georgia Moraes
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