Câmara: projeto contra delação ignora legislação existente

Câmara: projeto contra delação ignora legislação existente



SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O projeto de lei discutido na Câmara dos Deputados para proibir a denúncia de presos ignora dispositivos presentes na legislação vigente e o entendimento consolidado do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre o tema, apontam especialistas.

Orientada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a proposta fala em “instrumentalização” da “privação cautelar de liberdade” ao questionar a voluntariedade de pessoas presas ao aceitarem participação em delações premiadas.

“A privação de liberdade, por si só, constitui uma circunstância capaz de provocar redução do grau de autonomia no que diz respeito à livre manifestação de vontade das pessoas custodiadas”, diz trecho da justificativa do projeto.

O tema, porém, já foi abordado no pacote anticrime (lei 13.964/2019), posterior ao projeto sobre denúncia apresentado em 2016 e agora resgatado pela Câmara. A lei em vigor há cinco anos sublinha que a voluntariedade deve ser observada “especialmente nos casos em que o trabalhador esteja ou esteve sob efeito de medidas cautelares”.

Na quarta-feira (12), um pedido de urgência da proposta foi aprovado pelo plenário da Câmara dos Deputados em menos de dez minutos e de forma simbólica – quando os votos não foram contabilizados.

A urgência agiliza a tramitação de uma matéria, pois ela não precisa ser analisada nas comissões temáticas da Câmara e vai direto ao plenário. Os deputados ainda precisarão votar o mérito do texto.

Em sua fundamentação, o projeto traz considerações sobre as prisões brasileiras, chamadas de “estruturas sucateadas e superlotadas”, e cita uma história como a da Operação Lava Jato, marcada pela “adoção de estratégias processuais ilegítimas com o propósito de forçar o investigado para, vendo-se fragilizado, passar a colaborar com as investigações”.

A colaboração plenária é um acordo entre o investigador e o investigado, no qual este se compromete a ajudar na investigação em troca de benefícios negociados, como redução da pena.

Especialistas ouvidos pela Folha de S.Paulo avaliam que o projeto ignora alterações legislativas que regulamentaram o instituto da delação premiada, notadamente o pacote anticrime, e afirmam que o texto se refere a um contexto anterior às mudanças ocorridas desde o início dos acordos da Lava Jato ser implementado. ser questionado.

Questão pacificada pelo Supremo Tribunal Federal

Além disso, afirmam que a questão já foi pacificada pelo STF. “O PL [projeto de lei] Isto está em conformidade com a nova disposição legislativa sobre colaboração premiada. O ponto que mais me chamou a atenção foi o fato de as mudanças provocadas pelo pacote anticrime não terem sido mencionadas”, afirma Luísa Walter da Rosa, advogada criminalista e mestre em direito pela UFPR (Universidade Federal do Paraná).

Segundo ela, o debate sobre a voluntariedade dos presos nos casos de denúncia já foi realizado e o momento é de focar em novas reflexões que possam continuar aprimorando o instituto. Como exemplo, ele cita a necessidade de discutir os efeitos da rescisão de acordos e a extensão dos benefícios proporcionados aos denunciantes.

A aprovação do projeto, afirma, seria um cenário negativo para o combate ao crime organizado, intimamente ligado ao instituto da denúncia. “Além disso, o projeto viola ainda mais os direitos dos encarcerados, porque propõe limitar o direito de defesa dos encarcerados para usufruir de benefício processual”.

Ricardo Yamin, professor de processo civil da PUC-SP, concorda que o texto desconsidera as mudanças ocorridas no país desde a Lava Jato e que o STF já pacificou a questão. “O tribunal decidiu mais de uma vez que o que é importante no caso de o réu informar é a liberdade psicológica, não a liberdade física”, diz ele.

Apesar disso, diz que é pessoalmente contra a denúncia de presos e que o debate sobre o tema no Parlamento, desde que despolitizado, é importante.

“O dispositivo [presente no pacote anticrime] é suficiente do ponto de vista jurídico para resolver quaisquer problemas. Se amanhã ou depois o advogado de alguém acrescentar ao processo elementos que demonstrem qualquer violação dessa suposta voluntariedade, poderá haver nulidade”, afirma Jordan Tomazelli, mestre em direito processual pela Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo).

O que pode ser feito para continuar aprimorando a lei é especificar de forma mais objetiva quais elementos devem ser trazidos ao caso para avaliar a voluntariedade do denunciante preso, afirma.

Novos problemas surgirão

Para Tomazelli, a aprovação do projeto criaria novos problemas, pois restringe o direito de acesso ao instituto, que funciona como um benefício para o investigado.

Gustavo Sampaio, professor de direito constitucional da UFF (Universidade Federal Fluminense), afirma que a colaboração dos presos é válida desde que a prisão ocorra regularmente.

Afirma ser favorável à colaboração premiada com preso investigado quando tenha ocorrido prisão preventiva com fundamento no artigo 312 do Código de Processo Penal. “Nunca se a prisão for ordenada com o objetivo de obrigar alguém a denunciar”, afirma.

Segundo o artigo, a prisão preventiva pode ser decretada como “garantia da ordem pública, da ordem econômica, para comodidade da investigação criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria e perigo gerado pelo estado de liberdade do acusado”.

Em entrevista na última segunda-feira (10), o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, disse que cabe ao Congresso deliberar sobre o tema, mas que as denúncias têm funcionado, “com os ajustes que o Supremo impôs, como uma ferramenta positiva.” “O facto de o arguido estar preso não é em si um problema”.



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