28/08/2024 – 13h19
Vinicius Loures/Câmara dos Deputados
Relatório foi lançado na Câmara dos Deputados
Três anos depois da publicação da lei que tornou crime a violência política de género (Lei 14.192/21), o Brasil teve apenas duas condenações pelo crime entre 2021 e 2023, nenhuma delas transitada em julgado, ou seja, sem possibilidade de recurso. Além disso, uma em cada quatro representações de violência política baseada no género entre 2021 e 2023 foi arquivada ou encerrada.
Os dados constam do Relatório do Monitor de Violência Política de Gênero e Raça, lançado nesta terça-feira (27) pelo Observatório Nacional das Mulheres na Política da Câmara dos Deputados, em conjunto com o Instituto Alziras e a Agência Francesa de Desenvolvimento.
O relatório abrangeu 175 casos acompanhados pelo Grupo de Trabalho de Prevenção e Combate à Violência Política de Gênero, criado pela Procuradoria-Geral Eleitoral do Ministério Público Federal. Dos 175 casos, todos envolvendo mulheres em exercício de cargos, apenas 12 (ou 7% das representações) foram convertidos em ação penal eleitoral referente ao crime de violência política, por meio de denúncias-crime apresentadas pelo Ministério Público.
Dessas 12 ações, oito ainda estão em julgamento, duas estão em suspensão condicional e duas já tiveram sentenças proferidas.
Tratamento pela Justiça
No lançamento do relatório, o codiretor do Instituto Alziras, Tauá Lourenço Pires disse que a campanha eleitoral municipal deste ano já começou com muita violência política de género e racial. No entanto, na sua avaliação, incorporar a questão da violência política de gênero e racial no sistema de justiça brasileiro continua sendo um desafio, apesar da publicação da lei.
“Sempre que há uma obstrução ou algo que impeça ou dificulte o exercício dos direitos políticos pelas mulheres, seja no cargo ou nas candidatas, é violência política de género, parece óbvio, mas muitas vezes é enquadrada como um insulto, como uma ameaça , como difamação”, apontou.
Segundo o relatório, duas em cada três ações penais eleitorais por violência de género ajuizadas até janeiro de 2024 não foram devidamente enquadradas no Sistema de Processo Judicial Eletrónico.
Mandatos sequestrados
Aline Rocha, representante do Pacto Nacional de Combate às Desigualdades, que reúne dezenas de organizações da sociedade civil brasileira, destacou que os parlamentares brasileiros precisam enfrentar as desigualdades de gênero ao mesmo tempo em que sofrem violência política no desempenho de seu trabalho.
“Quantos mandatos dessas mulheres são sequestrados porque elas têm que se defender dia após dia desde o momento em que assumem, vários pedidos de cassação, muitos pedidos que não são de cassação, mas outros em comitês de ética, é cansativo, a violência é o tempo todo”, afirmou.
Vinicius Loures/Câmara dos Deputados
Dandara: “Se a nossa presença nos incomoda, estamos no caminho certo”
A deputada Dandara (PT-MG) relatou que “já foi desacreditada, silenciada” e que “já tentaram invalidar, deslegitimar” a sua presença, seja como parlamentar eleita, seja como candidata. “Mas, se a nossa presença nos incomoda, estamos no caminho certo, porque viemos incomodar vocês”, acrescentou. A deputada Carla Ayres (PT-SC), por sua vez, considera muito importante a produção de dados sobre o tema na tentativa de criar estratégias para romper com essa realidade.
As deputadas Gisela Simona (União-MT) e Daiana Santos (PCdoB-RS) destacaram que é preciso denunciar a violência. Daiana Santos, que atualmente coordena o Observatório Nacional da Mulher na Política da Câmara durante o afastamento da coordenadora Yandra Moura (União-SE) para concorrer às eleições municipais, enfatizou que “proteger a mulher na política é proteger a democracia”.
Questão racial
Secretária Executiva do Ministério da Igualdade Racial, Rogéria Eugênio relembrou o assassinato da vereadora carioca Marielle Franco e destacou que o debate sobre a violência política avançou a partir da vitimização das mulheres negras. Para ela, o debate deve continuar avançando a partir da reflexão sobre a questão racial.
“Quando os microfones dos parlamentares são desligados, quando não têm acesso a determinado debate por ter ocorrido fora dos horários formais e comuns, estas são formas de impedir o seu pleno exercício, e é aí que podemos explorar como a violência política nas questões de género nos ajuda a observar a misoginia, o racismo, a LGBTQIfobia de uma forma muito concreta”, avaliou.
Vinicius Loures/Câmara dos Deputados
Raquel: “Não adianta ter um bom aparato jurídico se não estiver ligado à política”
Alterar a política
O procurador-geral eleitoral do Ministério Público Federal, Raquel Branquinho, acredita que, se dependesse apenas das leis, haveria muito mais mulheres na política. Ela destacou, porém, que há apenas 16% de mulheres vereadoras nas câmaras municipais e apenas 12% de mulheres prefeitas no Brasil. No Congresso Nacional, a representação feminina é de 17,7%, o que coloca o Brasil na 132ª posição no ranking de participação feminina na política da União Interparlamentar, com 181 países no total.
“Não adianta ter um bom aparato de leis se não estiver ligado à política e à realidade da sociedade”, afirmou. “Temos que mudar a política, porque é a partir do sistema e com os partidos políticos no centro desta discussão que podemos trilhar caminhos mais promissores”, acrescentou. Ela criticou o Emenda Constitucional 133promulgada em 22 de agosto pelo Congresso Nacional, que perdoa partidos políticos que não cumpriram a cota mínima de candidatos pretos e pardos em eleições anteriores.
Relatórios on-line
Coordenadora do Observatório da Violência Contra a Mulher da Defensoria Pública da União, Rafaella Mikos Passos disse que trabalha desde o início do ano na capacitação de defensores para reconhecer e prestar a assistência necessária no caso de violência política de gênero.
Para estas eleições municipais, a Defensoria lançou um programa de combate a esse tipo de violência, possibilitando que as vítimas também façam denúncias por meio de formulário online, além das unidades físicas da Defensoria. Isso significa que mulheres de todo o país podem receber atendimento, mesmo que não exista Defensoria Pública no município da vítima.
Relatório – Lara Haje
Montagem – Roberto Seabra
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