SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – As eleições municipais deixaram saldo positivo para o Bolsonarismoque enfrentou reveses e teve dificuldades em eleger prefeitos, mas ainda assim garantiu votos significativos de norte a sul.
A vitória do americano Donald Trump, aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), também dá impulso ao movimento, segundo especialistas consultados pela Folha.
O centrão se consagrou como o grande vencedor da eleição de 2024, que teve o maior índice de reeleição desde a redemocratização.
O sucesso do bloco, formado por partidos geralmente alinhados a um conservadorismo mais tradicional, não indica, porém, que os eleitores se afastaram da plataforma de direita radical, como a representada por Bolsonaro.
“[A eleição municipal] É um voto muito mais da máquina, do fundo eleitoral, do que o que o prefeito conseguiu entregar”, diz Daniela Costanzo, pesquisadora do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) e doutora em ciência política pela USP (Universidade de São Paulo). ).
“Quando essa discussão vai para o nível federal, ela fica muito mais radicalizada. As pessoas vão para as grandes questões políticas”, acrescenta.
Também não basta apenas olhar para os candidatos vitoriosos, afirma Jorge Chaloub, professor de ciência política da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). “Nas principais capitais não foi a ultradireita que ganhou, mas demonstrou que tinha voto”, afirma.
Ele destaca também que candidatos alinhados à centro-direita tradicional, como o prefeito Ricardo Nunes (MDB), precisavam acenar com agendas radicalizadas para conquistar eleitores. “A necessidade de tomar essas medidas já me faz pensar que foi uma vitória da moderação.”
Candidatos do bolsonarismo ou identificados com agendas de direita radical obtiveram amplas votações. Foi o caso de Pablo Marçal (PRTB) em São Paulo, André Fernandes (PL) em Fortaleza, Bruno Engler (PL) em Belo Horizonte, Cristina Graeml (PMB) em Curitiba e Fred Rodrigues (PL) em Goiânia.
“Para Bolsonaro é muito importante manter sua base”, diz Costanzo. “Só o fato de irem para o segundo turno já significa muito. Valdemar [Costa Neto, presidente do PL] Ganhou mais que Bolsonaro, mas isso não significa que o bolsonarismo seja fraco.”
Por outro lado, diz Chaloub, Bolsonaro fracassou como estrategista político. “São Paulo destaca isso. Ele não sabia arranjar brigas, ampliar alianças. Foi uma derrota na estratégia, mas mostrou capacidade de influenciar os eleitores”.
A maior novidade destas eleições, que ameaça Bolsonaro como referência da direita radical, foi a onda provocada por Marçal, afirma David Magalhães, coordenador do Observatório da Extrema Direita e professor de relações internacionais da PUC-SP.
O influenciador teve um crescimento vertiginoso nas eleições paulistas, vendendo-se como o único político antissistema no pleito e desbancando Nunes, candidato oficial de Bolsonaro, entre os eleitores do ex-presidente. Quando Bolsonaro finalmente tentou conter a ascensão de Marçal, seus próprios seguidores inundaram suas redes com críticas.
“Marçal mostrou uma alternativa em termos de liderança para a direita radical, e fez questão de estabelecer esse contraste ao colocar Bolsonaro ao lado das forças da política profissional”, diz Magalhães.
Para Chaloub, o influenciador é um sintoma dos movimentos desajeitados do ex-presidente, e a inelegibilidade de Bolsonaro também abre caminho para que outras figuras desafiem sua liderança.
Marçal, que já afirmou que concorrerá à Presidência ou ao Governo de São Paulo em 2026, deverá concorrer novamente com base no discurso antissistema, contra um candidato de linhagem bolsonarista, como o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) , projeta Magalhães.
Ele afirma que a ascensão do influenciador também pode ser explicada pela ausência de um partido de direita orgânico e ideológico, capaz de unir o campo em torno de um único candidato.
“Nossa direita sempre foi fragmentada e dependeu de uma liderança carismática. Bolsonaro conseguiu reunir diversas tendências da direita. Faria Lima, neopentecostal, daquelas saudosas da ditadura”, afirma. “À medida que esta liderança se afasta e outra surge, a direita fica dividida entre quem deveria apoiar”.
Se o bolsonarismo deu sinais de força nas eleições municipais, agora ganha um impulso extra com a eleição de Trump. Para Magalhães, considerando a influência dos Estados Unidos, o primeiro efeito será a normalização do discurso radical.
“Com o Senado e o Supremo nas mãos, essas práticas tendem a ser ainda mais normalizadas. [a vitória] É uma mensagem muito forte sobre a aceitação destas ideias”, afirma. “As forças progressistas estão a recuar e as conservadoras estão a avançar. É um conservadorismo com traços autoritários, xenófobos e racistas”.
Ele afirma que a vitória de Trump deveria aumentar o apoio público a Bolsonaro e energizar sua base. Por outro lado, não deverá produzir efeitos práticos numa improvável reversão de sua inelegibilidade, nem em decisões do Supremo Tribunal Federal.
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Chaloub concorda que a eleição do republicano é positiva para todos os líderes da ultradireita global, incluindo Bolsonaro. Ele afirma, porém, que Trump adota uma postura mais refratária à intervenção em outras nações e, portanto, a influência em nome do aliado também pode ser restringida.
“Por um lado, há a aplicação de valores de ultradireita. Por outro, não é um governo que vá defender uma intervenção muito forte”, afirma. “Nesse sentido, não sei se podemos esperar a quantidade de ajuda que às vezes esperam figuras próximas de Bolsonaro.”
Ainda assim, Chaloub lembra que as mensagens do presidente Joe Biden de que os Estados Unidos não apoiariam uma intervenção antidemocrática foram um dos motivos que frustraram a tentativa de golpe após a derrota de Bolsonaro em 2022. Com Trump, o cenário provavelmente teria sido diferente, afirma.
“Uma intervenção para dissuadir um golpe de ultradireita me parece improvável. Não me parece que Trump agiria contra isso.”
Diagnóstico do bolsonarismo, segundo especialistas
1. A vitória do centrão nas eleições municipais não indica moderação eleitoral. Pleito tem uma perspectiva muito local, com grande influência da máquina, e teve um índice histórico de reeleições neste ano. A discussão a nível nacional está mais radicalizada
2. Embora os candidatos radicais de direita tenham perdido nas grandes cidades, muitos deles obtiveram votos significativos, o que indica que o bolsonarismo continua forte
3. A falta de habilidade e estratégia de Bolsonaro, associada à sua inelegibilidade e à ausência de um partido orgânico de direita capaz de unir o campo, abre caminho para que outras figuras desafiem sua liderança, como Pablo Marçal
4. A eleição de Donald Trump fortalece Bolsonaro ao realçar e normalizar valores da ultradireita global. Além disso, é difícil esperar do republicano a mesma disposição do presidente Joe Biden, que deixou claro que os Estados Unidos não apoiariam uma tentativa de golpe após a derrota de Bolsonaro. Isso poderia abrir caminho para ataques autoritários no Brasil
5. Por outro lado, a vitória de Trump não deve influenciar a improvável reversão da inelegibilidade do ex-presidente ou decisões do STF
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