20/01/2025 – 16:53
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Dados da plataforma Fala.Br mostram que a maioria das possíveis vítimas de assédio são mulheres
Lançado no início de dezembro pela Controladoria-Geral da União (CGU), o segundo versão do Guia Lilás fornece uma série de diretrizes sobre prevenção e combate ao assédio moral e sexual e à discriminação em governo federalseja pela vítima ou pelo gestor público.
O guia serve como uma ferramenta para coibir comportamentos inadequados no local de trabalho e tomar medidas quando são identificados. A ideia é que o documento seja referência para todo o serviço público federal. A primeira versão do guia foi lançada em 2023.
A nova versão consolida uma série de aprendizados e referências do Grupo de Trabalho Interministerial que elaborou o Plano Federal de Prevenção e Combate ao Assédio e à Discriminação na Administração Pública Federal, publicado em outubro de 2024 pelo governo (Portaria 6.719/24). Entre outros pontos, a nova versão do Guia Lilás traz questões de gênero e raça como temas centrais.
Prevenção
Um dos principais objetivos do Guia Lilás é ajudar gestores e trabalhadores do setor público a lidar com a chamada microviolência cotidiana, que é muitas vezes ignorada, mas que tem o potencial de criar ambientes permissivos à violência, conforme explicado pela ouvidora-geral da União, Ariana Frances.
“O Guia Lilás também pretende ser um instrumento preventivo, pois traz conceitos, uma referência de exemplos para que as pessoas possam identificar situações e possam reportá-las às unidades competentes dentro de suas instituições, e o guia também serve para que os líderes identifiquem situações ”, disse ele, no evento de lançamento do guia.
O assédio e a discriminação muitas vezes começam de forma sutil, disfarçados como uma piada de mau gosto ou um conflito momentâneo, tornando-os difíceis de serem percebidos como uma violação grave. Essa violência, geralmente psicológica, atinge principalmente mulheres, negros, indígenas, pessoas LGBTQIA+ e pessoas com deficiência, e deve ser combatida antes que se agrave.
Segundo estudo realizado pela Ouvidoria Federal com dados da plataforma Fala.Br, 87% das possíveis vítimas de assédio sexual são do sexo feminino e 95% dos denunciados por assédio sexual são do sexo masculino.
Governante da violência
Uma das novidades da nova versão do Guia Lilás é a chamada Régua da Violência, com uma gradação do potencial de violência de diferentes atitudes, que vão desde constrangimento e atitudes levemente ofensivas – como piadas que reforçam algum tipo de inferioridade de mulheres -; experimentar comportamento muito ofensivo, como chamar alguém de apelidos discriminatórios; até chegar ao assédio sexual, que inclui comportamentos como sugerir que uma pessoa pode ser punida caso não concorde em fazer sexo com o agressor e fazer massagens não solicitadas, toques não consensuais, por exemplo.
O guia cita exemplos de violências ainda mais graves, que são comportamentos que envolvem coerção, violência, ameaças ou agressões físicas. Exemplos são tentar beijar alguém à força ou tocar as partes sexuais de alguém.
Definições
O Guia Lilás apresenta o conceito de assédio moral descrito em resolução do CNJ de 2020: violação da dignidade ou da integridade psicológica ou física de outra pessoa no trabalho por meio de conduta abusiva, como humilhação, intimidação ou constrangimento, independentemente da intenção. Alguns exemplos são privar alguém do acesso às ferramentas necessárias para realizar o trabalho; dificultar ou impedir promoções; segregar a pessoa assediada no ambiente de trabalho; e atribuir tarefas humilhantes à pessoa.
Para as mulheres, existem também outras formas de assédio moral, como insinuações de incompetência pelo facto de serem mulheres; questionar a saúde mental da pessoa por ser mulher; apropriar-se das ideias das mulheres sem dar o devido crédito; e interromper constantemente a fala das mulheres no ambiente de trabalho são alguns exemplos.
A discriminação inclui qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, etnia, cor, sexo, gênero, religião, opinião política, origem social, idade, orientação sexual, identidade e expressão de gênero, entre outros. Inclui também a fatfobia e o capacitismo, que é o preconceito dirigido às pessoas com deficiência.
Redes hospedeiras
E como deve a administração pública lidar com denúncias de assédio sexual, intimidação e discriminação? O guia recomenda, primeiramente, a construção de uma rede de acolhimento em cada órgão federal, o que é uma das principais novidades do Programa Federal de Prevenção e Combate ao Assédio e à Discriminação na Administração Pública Federal. A rede de acolhimento pode constituir, por exemplo, unidades de gestão de pessoas (departamentos pessoais), ouvidorias, comissões setoriais de ética, unidades do Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor.
Segundo a Provedora-Geral da República, Ariana Frances, esta rede deve estar preparada para acolher e orientar a vítima. “Essa rede de acolhimento deve ser composta por diferentes servidores, servidores, pessoas que estão atuando na administração pública federal, precisa refletir a diversidade que a gente tem dentro da instituição, então o ideal é ter um estagiário compondo essa rede , terceirizado integrando essa rede, servidores de diversas carreiras, também da área de gestão de pessoas, possivelmente se houver serviço de saúde, se houver psicólogo integrando a equipe da organização”, explica.
Fala.br
A vítima de assédio ou discriminação também pode contactar o provedor da organização onde trabalha. Caso você se sinta seguro para registrar sua denúncia, deverá fazer uma denúncia na plataforma CGU Fala.br (falabr.cgu. gov.br). A denúncia pode ser direcionada ao órgão onde ocorreu o incidente ou à própria Controladoria-Geral da União. A denúncia também pode ser recebida pessoalmente na CGU.
“Lá na Corregedoria a gente passa por um julgamento de admissibilidade e isso pode gerar uma investigação preliminar que vai dar origem a um PAD, um processo administrativo disciplinar, ou a um TAC, um termo de ajustamento de conduta”, explica a ouvidoria-geral.
Ariana Frances acrescenta que as áreas de gestão de pessoas de cada órgão ou gestor público podem tomar outras medidas de precaução para coibir ou prevenir a violência. “Aumentar o número de horas que ela está trabalhando remotamente, liberar vaga de estacionamento se a situação exigir, transferi-la de uma unidade para uma instituição que tenha outros prédios”, menciona.
Lei aprovada
O governo federal instituiu o Programa de Prevenção e Combate ao Assédio Sexual, à Violência Sexual e a outros Crimes contra a Dignidade Sexual após aprovação pelo Congresso e publicação de lei em 2023 (14.540/23), criando o programa. Originária de medida provisória (MP 1.140/22), a lei prevê a implantação do programa em todos os órgãos públicos federais, estaduais e municipais, escolas de ensino médio, universidades e empresas privadas
Por lei, todos os órgãos e entidades envolvidas devem desenvolver ações e estratégias destinadas a prevenir e combater o assédio sexual e outros crimes contra a dignidade sexual, e todas as formas de violência sexual.
Contas
Na Câmara tramitam dezenas de propostas que visam implementar mais regras para coibir o assédio moral e sexual no trabalho, seja no mercado privado, seja no serviço público, ou enquadrar na lei o crime de assédio moral. Os deputados já aprovaram um projeto de lei nesse sentido (PL 4742/01), que está parado no Senado. Mesmo sem legislação específica, quem assedia e também quem discrimina pode ser responsabilizado judicialmente – seja na esfera cível, por danos morais e materiais, seja na esfera trabalhista ou administrativa, por infrações disciplinares. O racismo e o assédio sexual podem resultar em prisão.
Outro projeto de lei (PL 6757/10) visa estabelecer indenização por coação moral no trabalho e foi aprovado no Senado em 2010, mas está parado na Câmara desde então. Está em análise juntamente com mais de 30 propostas anexadas.
Política da Câmara
Para os trabalhadores da Câmara dos Deputados, uma portaria do ano passado iestabelece a Política de Prevenção e Combate ao Assédio Moral, ao Assédio Sexual e à Discriminação.
A política prevê que o Programa de Valorização dos Servidores (Pró-Ser) seja o principal canal de acolhimento, escuta e orientação das vítimas, sejam elas funcionários, estagiários, aprendizes, prestadores de serviço ou outros colaboradores. Com o consentimento da vítima, o Pró-Ser pode realizar medidas de acolhimento e, quando for o caso, práticas de conciliação.
Se a vítima desejar, também poderá encaminhar o caso de assédio moral, sexual e discriminação à Delegacia de Polícia Legislativa, caso haja indícios de crime, ou à Comissão Disciplinar Permanente.
Os casos também poderão ser encaminhados à Ouvidoria da Câmara dos Deputados e, nos casos de denúncias de violência e discriminação contra a mulher, à Procuradoria da Mulher. A política estabelece ainda que o chefe da unidade administrativa que tomar conhecimento de notícia de assédio moral, assédio sexual e discriminação comunicará imediatamente o fato à Diretoria de Recursos Humanos.
A Comissão Permanente de Disciplina (Coped) é responsável por apurar denúncias encaminhadas por qualquer um desses órgãos ou pelo gestor superior. Segundo informações do Coped, foi instaurado processo administrativo disciplinar e formada uma comissão com três membros, que apura as infrações cometidas pelos colaboradores. Ao final, se a comissão confirmar a denúncia, ela produz um relatório e propõe a penalidade. O candidato é o diretor-geral, o primeiro secretário ou o presidente da Câmara dos Deputados. No caso de assédio ou discriminação cometidos por deputados, a Corregedoria da Câmara define penalidades.
Procuradoria da Mulher
De acordo com o Regimento Interno da Câmara dos Deputados, a Secretaria da Mulher, composta pela Procuradoria da Mulher e pela Coordenadoria dos Direitos da Mulher, conta também com a Comissão de Defesa da Mulher contra o Assédio Moral ou Sexual. No entanto, ainda não foi criado. Na sua ausência, a Procuradoria da Mulher tem competência para “receber e apreciar denúncias de violência e discriminação contra a mulher e encaminhá-las aos órgãos competentes”. As ações do Ministério Público são complementares, não substituem as ações das delegacias ou do Ministério Público, mas o órgão atua no apoio aos casos em que há falhas ou omissões nesses serviços.
O relatório pode ser enviado por diversos meios, sendo o email o canal preferencial. Caso seja feita por telefone, pessoalmente ou nas redes sociais, solicita-se sempre que a formalização seja realizada via email. Quando o caso envolve omissão de serviços (como atendimento inadequado em delegacias ou processos judiciais paralisados), o Ministério Público envia ofícios aos órgãos competentes solicitando providências.
O Ministério Público esclarece que “a atuação do órgão não substitui as atribuições das delegacias ou do Ministério Público, mas busca garantir que as vítimas tenham acesso às medidas protetivas e aos seus direitos”.
Relatório – Lara Haje
Edição – Ana Chalub
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