A profecia da Dilma 14 anos depois

A profecia da Dilma 14 anos depois


Não há dúvida de que a direita e o centro derrotaram a esquerda. Os números estão aí e não há necessidade de repeti-los aqui. Porém, mais do que dar a vitória ao centro e à direita, o povo mandou um recado aos políticos nas eleições municipais. A mensagem popular está embutida nos registros de abstenções, votos inválidos e votos em branco.

Após 14 anos, o comportamento do eleitorado dá sentido à confusa filosofia da então candidata à Presidência da República, Dilma Roussef. Em setembro de 2010, ainda sem saber que, em apenas um mês, seria eleita presidente (como gostava de ser chamada) e cassada cinco anos depois, Dilma fez a seguinte profecia:

“Não creio que quem ganha ou quem perde, quem ganha ou perde, vai ganhar ou perder. Todos perderão.”

Aqui você não pode escapar dos números. Em média, 30% do eleitorado não saiu de casa para votar. Outros milhares foram às urnas para dizer que nenhum candidato merecia ser prefeito e cancelaram seus votos. Outros milhares foram às assembleias de voto para mostrar que pouco se importam com política e votaram em branco.

Fico com os resultados de Porto Alegre, por afinidade, e de São Paulo pelo tamanho da metrópole. Na capital gaúcha. Sebastião Melo foi eleito no segundo turno com 406.467 votos. Mas 381.965, a maior abstenção da história, abstiveram-se. Depois, some todas essas pessoas aos 27.249 que votaram em branco e aos 26.811 que cancelaram e Melo perde para eles por quase 30 mil votos. E tem mais, precisamos também contar as pessoas que votaram no Melo não porque acham que ele é melhor, mas porque acham que Maria do Rosário é pior que ele…

Veja a profecia do ex-presidente. Todo mundo perde…

Em São Paulo as coisas voltam a acontecer. A capital paulista bateu recorde de abstenção no segundo turno. Além disso, depois daquele primeiro turno que mais parecia um encontro entre Mancha Verde e Gaviões da Fiel após Palmeiras x Corinthians, o que eles queriam, né? Ricardo Nunes foi eleito com cerca de 3,3 milhões de votos contra os 2,3 milhões de votos de Guilherme Boulos.

Vejamos o número recorde: dos quase 10 milhões de eleitores da capital paulista, 2,9 milhões preferiram ficar em casa a sair e votar em Nunes, ou Boulos. Outros 430 mil foram às seções eleitorais vaiar os dois e cancelar seus votos.

Além disso, 234 mil paulistanos foram às urnas dizer “não me importo com você” e votaram em branco. Resultado: quase 3,6 milhões de paulistanos não queriam nem Nunes nem Boulos na Prefeitura.

Assim como em Porto Alegre, também é preciso levar em conta os votos de quem colocou 15 nas urnas só para evitar que 50 ganhassem a eleição… Tipo de votação, aliás, que se repetiu em todo o Brasil.

Este é o alerta que, me parece, vem das urnas. Há uma descrença crescente na política como meio de promover mais igualdade, mais liberdade e mais decência na sociedade.

Os partidos, os líderes – os sérios, claro – precisam de compreender esta mensagem e repensar a sua cultura e os seus propósitos. Espero que os progressistas, a esquerda, não confiem nesta história de que a direita se dividiu nas disputas municipais.

Bolsonaro saiu de Goiânia enfraquecido, onde o candidato do PL por ele apoiado perdeu para o candidato do União Brasil apoiado pelo governador de Goiás, Ronaldo Caiado, que sonha ser candidato da direita à Presidência da República em 2026? Ora, ora… que caminho irá Bolsonaro num possível segundo turno em dois anos entre Caiado e Lula, ou outro candidato da esquerda?

Como tem muita gente especulando, dou minhas especulações também.

Para que lado irão Gilberto Kassab, dito centrista, gente do MDB, PP e todo o centrão numa possível disputa entre Tarcísio de Freitas e João Campos, por exemplo?

Essa coisa de votar no menos ruim só faz bem para a direita, que continuará usando as redes sociais para manipular e desinformar, bagunçando a política e se beneficiando do que há de pior na política. Portanto, cabe à esquerda, ao campo progressista e decente da política, jogar o jogo para melhorá-la e não para normalizar a desmoralização da política partidária, como fez Boulos ao se deparar com aquela live com Marçal na véspera do eleição.

Atacado pelo treinador com todo tipo de insultos durante todo o primeiro turno, o psolista aceitou participar do que o treinador chamou de Entrevista de Emprego… Imagine, Marçal ficou de fora do segundo turno por decisão do povo. Mas ele não hesita em se disfarçar de recrutador do prefeito, função que cabe aos eleitores… e Boulos concorda em fazer o teste de emprego.

Parece-me que não é assim que a esquerda vai enfrentar este inchaço da direita. Para furar esta bolha, os progressistas precisam de ter claro que os movimentos sociais, o sindicalismo e as organizações estudantis, que sempre foram um dos pilares da esquerda, estão cada vez mais desarticulados. E não por causa de qualquer falha de liderança. A vida mudou, o comportamento e os sonhos são diferentes.

É preciso ir para a periferia com uma agenda mais ampla do que identitária, social e comportamental. Enfrentar as novas aspirações populares que nascem, muitas vezes, da desinformação nas redes sociais, da mentira – como fez Pablo Marçal – de que só se quer ser empreendedor, o que leva os mais vulneráveis ​​a enfrentarem a precariedade do trabalho e a lutarem por si próprios, sem quaisquer benefícios trabalhistas, sem qualquer garantia previdenciária…

Ouvir sonhos e mostrar como realizá-los sem a conversa fácil do querer é poder… E isso tem que ser feito todos os dias e nas ruas. Não é possível apenas nos gabinetes e plenários das casas legislativas.

Fernando Guedes é jornalista e sócio da SHIS Comunicação, analista político, especializado em marketing político, gestão de crises, análise de cenários, construção de imagem e produção de conteúdo. Atuou nos principais meios de comunicação do país e assessorou ministros de estado. Foi diretor da TV Câmara e da TV Justiça e secretário de Imprensa da Presidência da República



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