A disputa caseira que virou prioridade para o pode…

Um dos chefes políticos mais poderosos do país, chefe do maior partido do Congresso (o PL), dono dos maiores cofres da atual campanha eleitoral (mais de 1 bilhão de reais) e organizador dos principais planos da direita para 2024 e 2026, Valdemar Costa Neto encontrou tempo e esforço em um plano paroquial: conquistar a prefeitura de Mogi das Cruzes, cidade da Grande São Paulo com pouco mais de 450 mil habitantes, seu berço eleitoral e que por quatro mandatos foi governada por seu pai, Waldemar Costa Filho. Após a morte do patriarca, em 2001, seu filho, que nunca disputou a prefeitura e decidiu priorizar a carreira em Brasília (foi eleito deputado seis vezes), viu a cidade cair nas mãos de outros grupos locais. Agora, ele decidiu recuperar seu reduto eleitoral.

Mesmo tendo uma candidata a prefeito que nunca disputou uma eleição, a pedagoga Mara Bertaiolli (PL), Valdemar reuniu em sua chapa outros cinco grandes partidos: União Brasil, PSD, MDB, PP e Republicanos. Mara é esposa de um político influente na cidade: Marco Bertaiolli, ex-deputado, ex-prefeito (2009 a 2016) e hoje conselheiro do Tribunal de Contas do Estado indicado pelo governador Tarcísio de Freitas. Pesquisa divulgada dia 14 pelo Instituto Opinião mostra que ela tem 35,3% das intenções de voto, à frente do prefeito, Caio Cunha (Podemos), que tem 22,8%. Estiveram presentes no lançamento da chapa, domingo, 18, Gilberto Kassab, presidente nacional do PSD, e Antonio Brito, deputado do PSD-BA, um dos cotados para comandar a Câmara a partir de 2025.

Os chefes nacionais não escondem a prioridade dada à cidade. Kassab, que indicou Téo Cusatis (PSD) como vice, se vangloria. “Nenhuma cidade terá o apoio, a união e a aliança que Mara e Téo construíram”, disse. “Somos o maior partido do país, temos a maior bancada da Câmara, quem não gostaria de fazer uma aliança conosco? Antonio Rueda, Baleia Rossi (presidentes da União Brasil e do MDB, respectivamente), todos queriam compor, até porque isso envolve parcerias em outras cidades”, diz Valdemar. Líder do partido bilionário, ele não diz quanto pretende investir na candidatura, mas o limite de gastos previsto para o primeiro turno é de 2 milhões de reais.

O enclave político de Waldemar e Valdemar começou a ser construído em 1940. Foi nessa época que o pai chegou à cidade para trabalhar em uma mineradora. Lá, ele conquistou fama e fortuna ao se tornar um empresário influente no setor de transportes. Em 1958, filiou-se à conservadora UDN e migrou, em 1966, para a Arena, sigla que apoiava a ditadura militar. Foi por causa da lenda que foi eleito prefeito pela primeira vez, em 1968. Valdemar era conhecido como “Menino” na juventude, em parte devido ao seu estilo de vida boêmio. O cacique do PL ainda mora em Mogi das Cruzes —sua maior ausência foi passar onze meses no presídio da Papuda, no DF, entre 2013 e 2014, após ser condenado ao mensalão. Ele seria preso novamente em fevereiro deste ano, por porte ilegal de arma, em uma investigação sobre a tentativa de golpe de 2023. Uma das dificuldades na eleição será superar a rejeição dos eleitores a “Boy” após seu envolvimento em tantos episódios polêmicos — ainda assim, ele descarta participar de brigas nas ruas.

A guerra pelo controle da cidade já dura há algum tempo. Em março, o prefeito estava com as malas prontas para o PP, sigla mais ampla, mas sua ideia foi bloqueada pela movimentação de bastidores de Valdemar. Ele ficou no Podemos, fez aliança com siglas médias como PSB e PSDB e, na convenção, mandou um recado ao cacique do PL. “Nossos adversários acreditam no poder do dinheiro para vencer as eleições, mas vamos mostrar a eles como vencer: sola de sapato e amor à cidade”, afirmou.

O interesse por seu reduto não é exclusivo de Valdemar. Outros chefes tentam conciliar os planos nacionais com objectivos mais paroquiais. Um exemplo é Lula, que decidiu fazer de tudo para, com Luiz Fernando Teixeira (PT), reconquistar São Bernardo do Campo, no ABC paulista, onde morou e iniciou sua carreira política. Outro é Arthur Lira (PP-AL), o todo-poderoso presidente da Câmara, empenhado em reeleger o pai, Benedito de Lira, na pequena cidade de Barra de São Miguel, polo turístico do litoral alagoano. Na política, ao que parece, ter muito poder a nível nacional é bom, claro, mas ser consagrado em casa também tem o seu valor.

Publicado em VEJA em 23 de agosto de 2024, edição nº 2.907