Brasileiros ganham prêmio da ONU com filme sobre preconceito religioso

A brasileira Bárbara Oliveira, 14 anos, cresceu em uma família que, segundo ela, não liga muito para religião. Quando começou a frequentar um terreiro de candomblé, aos 12 anos, enfrentou oposição da família.

“Quando fui pela primeira vez parecia que estava no paraíso, mas hoje em dia não vou mais lá, por motivos familiares, mas me sinto muito conectada e completa com o Candomblé”, explicou ela à ONU News.

Esperando pela idade adulta

Para evitar conflitos, Bárbara decidiu afastar-se temporariamente da prática. Em declarações à ONU News, em Cascais, explicou porque decidiu esperar até atingir a maioridade para poder regressar a um terreiro de candomblé.

“Minha família é intolerante e prefiro respeitar isso. Prefiro esperar até os 18 anos para tomar minhas próprias decisões e não ir contra meus pais agora”, explica.

Quando o tema preconceito religioso surgiu na escola como proposta de curta-metragem, Bárbara não teve dúvidas quanto à sua participação.

“Por mais que seja um país laico, há muito desrespeito, discriminação e muita gente morre por intolerância religiosa e achamos muito importante abordar esse assunto”, afirmou.

Ela e outros cinco alunos da Escola Municipal Santa Terezinha, em Petrolina, Pernambuco, se uniram em uma produção usando celulares, dicas de internet e adereços emprestados e contaram uma história sobre preconceito religioso por meio da narração de um poema.

Reconhecimento internacional

O filme “Distinct Gods” foi distinguido entre diversas produções mundiais pelo Plural+ Youth Video Festival da Aliança das Civilizações, Unaoc, e pela Organização Internacional para as Migrações, OIM.

O grupo viajou até Portugal para receber um dos prémios do festival e foi lá que falou com a UN News, em paralelo com o 10º Fórum Global da Aliança de Civilizações que decorreu de 25 a 27 de Novembro.

Preconceito aberto

A professora Ana Júlia Freitas, responsável pela direção do filme, revela que o tema foi escolhido por alunos que sentem em primeira mão o preconceito religioso, principalmente entre as religiões de base africana.

“O racismo religioso abrange diferentes religiões, mas é muito contra as religiões de base africana. Aqui no Brasil temos muito. Então, é algo que muitas vezes é revelado. E quem sofre, tem que sofrer em silêncio”, revela.

João Pedro Cerqueira, de 16 anos, também participou da produção e foi responsável pela leitura de um poema que é base de toda a narrativa.

O estudante garante que o preconceito é real, inclusive em Petrolina, onde cresceu e denuncia a destruição de alguns locais de culto.

“Alguns terreiros acabam sendo destruídos só porque pessoas sem conhecimento daquela religião acreditam que aquele lugar está amaldiçoado”, afirma.

Gigantes no palco

Para a turma, a distinção veio entre espanto e felicidade.

“Foi inacreditável, não acredito que chegamos tão longe em Portugal.”

Durante a cerimónia de entrega de prémios em Portugal, o grupo subiu ao palco para agradecer a distinção num momento marcante para o grupo do Brasil.

“No final da palestra pensei na palavra gigante, que era como eu estava me sentindo e acredito que meus alunos também estavam se sentindo”, disse a professora.

ONU para o bem comum

O Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, já se posicionou contra a intolerância religiosa em diversas ocasiões, inclusive no 10º Fórum Global da Unaoc.

Em Cascais, o líder da ONU lamentou as ameaças contra as comunidades religiosas como “sintomas que refletem a incapacidade de nos unirmos para o bem comum”.

O Conselho de Direitos Humanos da ONU também adotou, em 2023, uma resolução que condena e rejeita a intolerância religiosa. O Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos, Volker Turk, disse que o abuso ou a destruição das “crenças mais íntimas” poderia resultar na “polarização das sociedades e no agravamento das tensões”.

*Sara de Melo Rocha é correspondente da ONU News em Lisboa.