Os grupos transnacionais do crime organizado baseados no Sudeste Asiático estão a transformar-se em “prestadores de serviços criminosos” que vendem uma série de actividades ilegais.
A avaliação é do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, Unodc, que afirma que houve um aumento de operações ilícitas, conhecidas como “scam farms”, na sequência da pandemia de Covid-19, no Sudeste Asiático, incluindo nas Filipinas, onde muitos deles às vezes operam ao lado de empresas de jogos de azar legais.
Combate às redes criminosas
O Unodc está a apoiar os países da região a cooperarem mais estreitamente para combater a influência das redes criminosas. O vice-representante regional do UNODC para o Sudeste Asiático e Pacífico, Benedikt Hofmann, visitou uma “fazenda fraudulenta” nas Filipinas, que foi invadida em março deste ano.
O jornalista da ONU News, Daniel Dickinson, acompanhou a visita ao local, localizado no norte das Filipinas, a poucas horas ao norte de Manila. Segundo Benedikt Hofmann, existem múltiplas “fazendas fraudulentas” desse tipo, com prédios para as pessoas trabalharem, refeitórios e dormitórios.
Ele conta que o prédio que abrigava a operação de jogos de azar foi formalmente registrado junto ao governo e fiscalizado por órgão regulador. Contudo, o que não é visível para as autoridades, pelo menos no papel, são os edifícios no meio.
Um deles abriga computadores e estações de trabalho, anteriormente ocupadas por trabalhadores vietnamitas que praticavam fraudes. Outra era habitada por trabalhadores de língua chinesa que procuravam vítimas na China.
Sofisticação do crime
Em conversa com a ONU News, o representante do Unodc afirmou que a escala e a sofisticação do complexo são surpreendentes, acrescentando que tinha uma infra-estrutura semelhante a uma empresa tecnológica bem estabelecida.
Ele disse que cerca de 700 pessoas foram encontradas no complexo quando ele foi invadido em março, um número que não é tão grande quanto outros complexos conhecidos.
Outro aspecto que Hofmann achou surpreendente foi o contraste entre a vida das pessoas que foram forçadas a viver e trabalhar no complexo e a enorme escala de riqueza das pessoas que estavam no comando.
Trabalho forçado
Ele disse que as pessoas que trabalham no complexo estão isoladas do mundo exterior. Todas as suas necessidades diárias são atendidas internamente. Por isso, há restaurantes, dormitórios, barbearias e até um bar de karaokê. Assim, as pessoas realmente não precisam sair e podem ficar lá por meses.
Porém, segundo relatos de pessoas que foram resgatadas, mesmo que quisessem sair, não poderiam. Alguns foram torturados e submetidos à violência diária como punição por quererem partir ou por não atingirem a sua quota diária de dinheiro roubado às vítimas. “Há um enorme sofrimento humano neste complexo”, destacou ela.
Segundo ele, muitas das “fazendas fraudulentas” mais bem estabelecidas na região do Mekong, que faz fronteira com a Tailândia, Laos e Mianmar, começaram como cassinos ligados à lavagem de dinheiro regional de lucros do tráfico de drogas e outras atividades criminosas.
Pandemia e crime online
Benedikt Hofmann explica que houve uma evolução significativa, principalmente durante a pandemia de Covid-19, em que os cassinos mudaram seu modelo de negócio e passaram a atuar no espaço online, principalmente com golpes e fraudes cibernéticas.
Acrescenta que estes locais estão a transformar-se em fornecedores criminosos, vendendo serviços de cibercriminalidade, fraude e branqueamento de capitais, mas também recolha de dados e desinformação.
Para o representante do Unodc, a tecnologia, como a inteligência artificial generativa, está evoluindo muito rapidamente e deve mudar a forma como esses locais funcionam, criando formas para os golpistas ganharem dinheiro.
Ele explica que a IA expande o escopo e a escala em que uma “fazenda fraudulenta” pode operar. Em vez de mil pessoas realizarem golpes no celular, elas só precisarão de um aplicativo bem programado.
Tecnologia e prevenção ao crime
Na avaliação de Hofmann, existe uma lacuna crescente entre a velocidade a que estas tecnologias estão a desenvolver-se e a ser adoptadas pelas redes do crime organizado e as respostas que os governos da região têm à sua disposição para resolver estas questões.
Para ele, este é um problema regional com implicações globais. Estas operações fraudulentas ainda são predominantemente baseadas nesta região, no entanto, é possível observar operações menores em locais como América do Sul e África.
O representante do Unodc afirma que um país sozinho não resolverá o problema. Isso porque essas operações, mesmo que sejam resolvidas em um local, podem se deslocar para outro país onde haja menos pressão fiscalizadora.
Resposta conjunta
Por isso, ele avalia que é necessária uma resposta regional, com o apoio da agência da ONU. Segundo Hofmann, existe actualmente um forte impulso na região para cooperar na resolução deste problema.
Ele afirma que as Filipinas, assim como os países da região do Mekong e a China, estão a trabalhar em conjunto, realizando operações conjuntas, discutindo prioridades e trocando informações numa escala que não existia no passado.
Hofmann acrescenta que quanto mais os países trabalharem em conjunto, partilharem conhecimentos e receberem apoio de outras partes do mundo, mais bem preparados estarão para lidar com o desafio.
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