O que torna ‘Longlegs’, com Nicolas Cage, o terror…

Numa fazenda americana, um padre faz sua visita rotineira a uma família de crentes. Dentro da casa adornada com cruzes e imagens do ex-presidente Richard Nixon, porém, ele não é recebido com a típica hospitalidade rural — mas com machados. Enlouquecido, o pai de família primeiro mata o religioso e depois ataca sua esposa, tirando-lhe a vida com o mesmo sadismo antes de acabar com a própria existência. Vinte anos depois, o caso permanece sem explicação, mas de repente é conectado às histórias de outras figuras paternas que se voltaram contra suas famílias graças à misteriosa influência do serial killer que dá o título a Pernas Longas – Vínculo Mortalum filme de terror que acaba de estrear nos cinemas.

Nunca presente nas cenas dos crimes, o psicopata Longlegs — um irreconhecível Nicolas Cage — denuncia seu envolvimento nas mortes brutais apenas por meio de bonecos satanistas e cartas que deixa às vítimas. Impossível de rastrear ou compreender, o assassino é um enigma para os agentes do FBI que o perseguem, até a chegada do jovem Lee Harker (Maika Monroe) à investigação. Com estranhas habilidades mediúnicas, ela fascina não só os colegas, mas também o assassino, que passa a lhe fornecer informações privilegiadas, numa dinâmica semelhante à que move os personagens de Jodie Foster e Anthony Hopkins em O Silêncio dos Inocentes (1991).

Assim como o clássico sobre Hannibal Lecter, Pernas longas é um noir que investiga o lugar de atos inconcebíveis de violência dentro do sonho americano — questão que também motivou o cineasta David Fincher a elaborar sobre as macabras mortes bíblicas de Se7en – Os Sete Crimes Mortais (1995). A ferramenta aqui, contudo, já não é a violência chocantemente explícita dos cineastas americanos no final do século XX ou de colegas europeus como Michael Haneke, de Violência Gratuita (1997). Na visão do diretor Oz Perkins, é a atmosfera implacavelmente opressiva que denuncia a crueldade humana e expõe a natureza incompreensível do mal. Em Pernas longastodos os espaços já têm o macabro no seu DNA. Em vez de closes nos rostos dos personagens, as salas são filmadas em planos amplos e perturbadores (que às vezes até escondem as aparências do Diabo).

Mesmo assim, a inspiração do filme não é o pânico satânico ou o tema cansado do exorcismo, mas sim a vida familiar de seu diretor. Oz é filho de Anthony Perkins, ator que interpretou o assassino Norman Bates em Psicose (1960), um clássico de Hitchcock, e que se casou com a atriz Berry Berenson em 1973 após tentar uma cura gay. A real sexualidade do pai era um segredo guardado pelo casal dos filhos, assim como a AIDS que causou sua morte em 1992. O diretor tece então uma história sobre como os familiares mentem por amor, abrindo feridas geracionais. A ideia de produzir a trama logo foi abraçada por Nicolas Cage, cuja mãe sofria de esquizofrenia e depressão.

Não é surpreendente que a história não tenha um final feliz: Pernas longas Apavora pela transparência com que enfrenta os vis dilemas do dia a dia. Num mundo não tão distante da trama, todo vilão é o herói de sua história (ou de sua família), e a bondade é tão inatingível quanto uma vida familiar imaculada. Pernas longas Pode não trazer sustos ou imagens gráficas, mas com certeza será o terror mais memorável do ano — depois da sessão, boa sorte com os pesadelos.

Publicado em VEJA em 30 de agosto de 2024, edição nº 2.908