A versão moderna do circo só apareceu em Londres em meados do século XVIII. A ideia era simples e eficiente e persiste até hoje: uma estrutura itinerante para levar o espetáculo onde o público estiver. A partir de 2 de agosto, a cantora Adele levará o conceito inventado pelos seus antepassados britânicos a um nível surpreendente. Em Munique, na Alemanha, ela ergueu uma versão grandiosa (e um tanto megalomaníaca) de “tenda”: uma arena com capacidade para 80 mil pessoas, projetada sob medida para sua turnê, com uma passarela central que a deixará bem próxima do público . Ao final dos dez shows programados para os quatro finais de semana de agosto, 800 mil pessoas terão passado pelo local — que em breve será desmontado —, deixando 566 milhões de euros (ou 3,4 bilhões de reais) em receitas turísticas para a cidade. A temporada ganhou apelo extra em um movimento em que a diva é craque: depois, entrará em período sabático, sem prazo para voltar aos palcos ou lançar músicas.
Além do artista multipremiado, dono de dezesseis Grammys e um Oscar, o que chama a atenção é a ambiciosa estrutura montada só para isso. Serão dois espaços: a Arena Adele, onde ficarão as arquibancadas e o palco dos shows — equipado com um telão de 220 metros de comprimento, que fará parte do evento. Guiness como a maior tela outdoor do mundo — e o Adele World, imensa área temática de 70 mil metros quadrados, bem ao lado da arena, aberta das 15h30 à meia-noite, com capacidade para 13 mil pessoas. O espaço irá recriar locais importantes da vida e carreira da artista, como o pub inglês onde começou a cantar. “Um estádio único e personalizado, projetado para qualquer show que eu queira fazer? Bem no meio da Europa? Em Munique? Isso é um pouco aleatório, mas ainda assim fabuloso”, disse Adele.
A empreitada da cantora leva ao auge uma tendência que nasceu no esporte e agora chega ao showbiz: as arenas “pop-up”. Grandes eventos como os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo tendem a deixar em seus locais um legado não apenas de melhorias urbanas, mas também de elefantes brancos – construções customizadas que mais tarde se tornam obstáculos inúteis. Estádios descartáveis ou pop-up — que aparecem e desaparecem sem deixar rastros — surgem agora como uma resposta ao dilema.
A ideia ganhou força nos últimos anos, em linha com a racionalização dos recursos naturais — mas tem raízes antigas. As construções pop-up seguem uma tendência que surgiu (e abandonou) na contracultura da década de 1960, quando um grupo de arquitetos imaginou megaestruturas que pudessem ser montadas e desmontadas, formando cidades nômades. O conceito foi revivido na Copa do Mundo de 2022, no Catar, quando os olhos do mundo observavam como o país equalizaria a construção de uma infraestrutura completamente nova sem que ficasse ociosa após a competição. Deu certo: o melhor exemplo é o Estádio 974, em Doha, que teve seu último jogo em dezembro de 2022, com a seleção brasileira vencendo a Coreia do Sul por 4 a 1 nas oitavas de final. Agora, o local — feito inteiramente de contêineres — está sendo desmontado para ser remontado em outro país, ainda a ser definido. No esporte, a ideia pegou. Em junho, um estádio com 34 mil lugares foi construído em Nova York para sediar partidas de críquete da Copa do Mundo. O projeto, já em processo de desmontagem, foi a solução para não criar um item inútil na paisagem nova-iorquina.
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No entretenimento, as arenas pop-up atendem à demanda por atrações exclusivas. É o caso do popular programa dedicado ao grupo sueco ABBA que está em cartaz em Londres desde 2022. É uma apresentação feita por jovens clones virtuais (ou avatares) dos quatro veteranos de carne e osso. Para tanto, foi construído um novo ginásio no Parque Olímpico Rainha Elizabeth apenas para abrigá-lo. A estrutura temporária, composta principalmente por madeira, possui um auditório principal com vão livre de 61 metros, o que permite uma experiência imersiva de 360 graus. A turnê, que ainda não tem data de término, pode viajar para qualquer lugar do mundo, recriando a emoção única que o público londrino teve. Com a adesão da poderosa Adele à moda, os gigantes do descartável ganham agora duplo impulso.
Publicado em VEJA em 26 de julho de 2024, edição nº 2.903
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