‘Nosferatu’ triunfa com monstro mais asqueroso – e…

‘Nosferatu’ triunfa com monstro mais asqueroso – e…


Robert Eggers tinha 9 anos quando devorou ​​um livro sobre filmes de terror com um personagem intrigante: Nosferatu, o vampiro decrépito de unhas compridas e pontiagudas que o diretor FW Murnau (1888-1931) tornou famoso em um clássico do expressionismo alemão. Seu amor pelo monstro era tanto que Eggers convenceu sua mãe a alugar um VHS do filme da era do cinema mudo para assistirem juntos – uma experiência tão intensa que mais tarde o levou a fazer uma peça juvenil baseada na história. As consequências foram duradouras. “Ali percebi que queria ser cineasta”, disse o norte-americano, hoje com 41 anos. Logo depois de fazer sua estreia na direção com sucesso com A Bruxa (2015), decidiu enfrentar uma fixação que vem da juventude: refilmar a obra-prima de Murnau. Eggers começou a estudar para o projeto, mas o deixou de lado por anos enquanto seguia carreira, por achar que era muito audacioso de sua parte.

VÍTIMA CELEBRADA – Hoult no castelo do monstro: entre ratos reais e sangue (Recursos de foco/.)

Tomando a coragem de finalmente produzir o seu próprio Nosferatus (Estados Unidos, 2024), já em exibição no país, Eggers realmente dá um passo ousado. Poucas áreas são tão pantanosas quanto a criação de remakes de filmes que compõem o cânone do cinema. Os exemplos, para melhor ou para pior (na sua maioria), são incontáveis. Em 2005, Tim Burton refez o clássico infantil Charlie e a Fábrica de Chocolatebaseado no romance do inglês Roald Dahl, com Johnny Depp interpretando o papel interpretado por Gene Wilder na bem-sucedida adaptação de 1971 — e ele não se saiu mal. O cultuado Gus Van Sant quebrou a cara — muito bem — ao se aventurar, na década de 1990, em uma versão descafeinada do thriller dos thrillers, Psicose (1960), de Alfred Hitchcock. No caso de NosferatusO desafio de Eggers era duplo. Além de não decepcionar diante do pioneiro Murnau, seria impossível evitar comparações com o remake que outro cineasta audacioso, o alemão Werner Herzog, fez em 1979 —e que para muitos é até superior à matriz dos anos 1920.

Na verdade, a fonte dos três filmes é a mesma de onde derivam todas as histórias de vampiros que povoam a cultura pop: o romance epistolar. Dráculaescrito pelo irlandês Bram Stoker em 1897. O conde sugador de sangue só mudou seu nome para Nosferatu, curiosamente, devido à malandragem de Murnau. Na época em que fez o filme, a viúva de Stoker, Florence, estava viva e não cedeu os direitos da história. Além dessa mudança, ele mudou um ou outro detalhe, mas a trama continuou muito parecida. Mesmo assim, a viúva ganhou uma ação que obrigou a destruição de cópias do clássico. Apenas alguns sobreviveram e foram resgatados após sua morte e a entrada da obra em domínio público.

NEW BLOOD - Lily-Rose Depp como Ellen: mais que um bebê nepo
NEW BLOOD – Lily-Rose Depp como Ellen: mais que um bebê nepo (Aidan Monaghan/Recursos de foco/.)
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Ao ressuscitá-lo pela terceira vez, Eggers alcançou o que se espera de uma das mentes mais sagazes do cinema atual. Seu filme homenageia o clássico, desde as cenas em que a sombra do vampiro se projeta imensa e ameaçadoramente, como no expressionismo de Murnau, até seu sotaque excêntrico e gutural, que lembra o da romena (legítima) Bela Lugosi, uma das mais famosas Dráculas do cinema. Ao mesmo tempo, o diretor acrescenta camadas novas e vibrantes à história. O mais evidente é o olhar quase antropológico sobre as origens dos Nosferatu. O cineasta resgata dialetos e crenças do povo da Romênia, país cujo folclore contém lendas imemoriais sobre monstros que se alimentam de sangue humano e que é terra natal de Vlad III, o Empalador (1431-1476), nobre cruel que inspirou o livro de Bram Estoquista.

É no centro da trama, porém, que o diretor faz suas inovações mais poderosas. A atração (inclusive sexual) entre o vampiro e a jovem Ellen Hutter (Lily-Rose Depp) sempre foi o ponto da trama que mais interessou Eggers — e ele explora o tema a fundo. Em desespero por causa de seus tormentos mentais, a garota Ellen invoca a ajuda do Além – e assim desperta o vampiro de seu sono eterno na distante Transilvânia. Anos depois, Nosferatu dá um jeito de fazer com que seu marido, Thomas (Nicholas Hoult), viaje da cidade alemã de Wisburg até a região isolada dos Cárpatos para formalizar a compra de uma mansão no bairro do casal. O resultado é conhecido: Thomas é atacado pelo vampiro e viaja para Wisburg em um navio cheio de ratos que espalham a Peste. As dores femininas de Ellen à medida que Nosferatu se aproxima são destacadas na tela, dando a Lily-Rose a chance de mostrar que ela não é apenas um bebê nepo de Hollywood: tentando em vão provar que não é louca, e então torcendo seu corpo com um frisson demoníaco quando ela é possuída mentalmente por Nosferatu, filha de Johnny Depp e Vanessa Paradis transmite força e ainda confere à menina um heroísmo feminista.

DECREPIT - Kinski no filme de Herzog: remake cult
DECREPIT – Kinski no filme de Herzog: remake cult (Arquivos Du 7EME Art/Photo12/AFP)
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Eggers quebrou a cabeça, acima de tudo, para resolver a outra metade da equação: como deveria ser seu Nosferatu? Ele poderia reiterar a angularidade gótica do ator do primeiro filme, Max Schreck, ou resgatar a tez fantasmagórica de Klaus Kinski na versão de 1979. Mas não. Mantido em segredo durante meses, o vampiro do sueco Bill Skarsgård faz jus ao significado de seu nome: no folclore primitivo romeno, Nosferatu significa nojento. Dessa forma, o personagem se parece mais com um zumbi do que com um batman: ele nada mais é do que um cadáver vivo coberto por uma túnica. Se há um detalhe polêmico, é um acessório ausente de seus antecessores: homenageando o visual dos nobres romenos do passado, o vampiro ostenta um bigode estilo Freddie Mercury.

PIONEER - Max Schreck no original: marco expressionista
PIONEER – Max Schreck no original: marco expressionista (Biblioteca de Imagens Ann Ronan/Photo12/AFP)

Ciente do potencial castrador das comparações, Eggers jura que não fez crítica ao filme de Murnau, nem quis ver a versão de Herzog. Mas é impossível escapar dos monstros do passado. Sem saber, filmou no mesmo castelo da República Tcheca que serviu de cenário para o Nosferatus por Herzog. Pelo menos num ponto, aliás, não superou o alemão: o uso extravagante de ratos reais. Eggers realizou cenas com 5 mil roedores, horrorizou as estrelas do filme com o cheiro da urina dos animais e se tornou alvo de ativistas dos direitos dos animais. Pois bem: na década de 1970, Herzog mobilizou o dobro de ratos e foi denunciado por uma matança monstruosa ao tingi-los de preto com tinta fervente. Às vezes é preciso suar, sofrer — e dar o sangue pelo cinema.

Publicado em VEJA em 3 de janeiro de 2025, edição nº. 2925



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