Escritor sul-coreano Han Kang recebeu o Prêmio Nobel de Literatura nesta quinta-feira, 10. Escolhida pela Academia Sueca pela sua “prosa poética que confronta traumas históricos e expõe a fragilidade da vida humana”, Kan é autora de livros como O vegetariano, Atos Humanos e O Livro Brancopublicado no Brasil pela editora Todavia. Em entrevista a VEJA em 2018, a autora colocou o dedo na ferida ao falar de humanidade. “ Os seres humanos são seres muito complicados. Eles podem fazer coisas horríveis, como Auschwitz, e você vê isso todos os dias nos jornais. Mas às vezes as pessoas arriscam a própria vida para salvar a vida dos outros”, ponderou, destacando também a importância da fé e da dignidade. “Temos consciência, nascemos com dignidade. Algumas situações nos fazem esquecer disso. Quero acreditar que o ser humano é digno e que a fé pode nos ajudar a seguir em frente”, disse o autor.
Confira a entrevista completa:
No livro O vegetariano você apresenta a protagonista Yeonghye, uma jovem que tem que lidar com uma grande quantidade de violência velada ao seu redor. Como você escolheu esse tema? Escrevi um conto chamado O fruto da minha esposa (“O Fruto da Minha Mulher”, em tradução livre)sobre uma mulher que literalmente se transforma em planta. Então, o marido dela começa a cuidar dela, coloca ela num vaso. Ela se transforma em uma árvore. Senti que algo estava inacabado na história e resolvi retomá-la depois de muitos anos. Imaginei essa história em que a mulher primeiro se recusa a comer, depois começa a recusar qualquer forma de violência e por fim quer virar planta. E ela realmente acredita nisso e não bebe nada além de água. De alguma forma, é a maneira dela de se salvar. Ela não quer cometer nenhum tipo de violência.
Para você, tornar-se planta como alternativa à violência diz algo sobre o que é ser humano? Temos que continuar vivendo sem virar planta, claro (risos). Nosso mundo está cheio de violência e misericórdia, e a violência está em toda parte na história. Yeonghye não é fraca, ela é tão determinada… Queria que o leitor sentisse a sinceridade de seus gestos. Eu queria considerar a posição dela neste mundo.
O que ser humano significa para você? É uma pergunta difícil. Os seres humanos são seres muito complicados. Eles podem fazer coisas horríveis, como Auschwitz, e você vê isso todos os dias nos jornais. Mas às vezes as pessoas arriscam as próprias vidas para salvar a vida de outras pessoas. Acho que o espectro humano é muito amplo e há tantas pessoas cheias de dignidade. Acho que Yeonghye sofre por questionar esse espectro da humanidade, e eu também sofro por isso. Recentemente, quis concentrar-me na dignidade humana, olhando para ela do lado mais sombrio. Acredito que os humanos são mais do que isso. Eu acredito na vida. Esta é minha opinião pessoal.
Como você abordou a literatura? Minha primeira identidade é como leitor, pois meu pai é escritor. Mudávamos muito, mas sempre estive rodeado de livros. Mesmo que você não saiba escrever muito bem, você consegue ler. Quando eu era criança, era uma verdadeira alegria ler. Quando eu era adolescente tinha muitas dúvidas e procurava respostas nos livros, às vezes não encontrava. Gostei de entender o que os escritores estavam lutando para descobrir. São tantas perguntas em busca de respostas. Além disso, uma pessoa pode carregar muitos livros. É como carregar pessoas consigo, é como estar com os autores. Minha experiência me levou a fluir pelo mundo junto com os livros.
Algum autor marcou particularmente? É difícil pensar em um escritor específico, adoro os livros em si… difícil escolher um nome. Quando estava na universidade, gostava muito de autores latino-americanos, como Jorge Luis Borges e Octavio Paz. Mas, no geral, não consigo escolher um.
Em entrevista ao jornal britânico O Guardiãovocê disse que sofre de enxaquecas desde criança e que não teria se tornado escritor se fosse 100% saudável. Em que momento você percebeu isso? Não houve um momento específico… Não é que me tornei escritor por causa das enxaquecas, mas acho que por causa delas aprendi a ter uma certa humildade perante a vida. É um fato da minha história que não posso me esquivar ou fazer desaparecer. Talvez isso tenha me ajudado a ser mais sensível com os outros: porque de vez em quando sinto dores físicas… Também não quero exagerar, pois não me mata.
Como é a sua relação com o seu país, a Coreia do Sul? Eu amo minha língua materna. Nasci em Hangul e me mudei para Seul quando tinha 9 anos. Como escritor, acho importante conviver com o fluxo da sua língua materna. Para mim, é importante viver no meu país. Nasci aqui, fui educado aqui. Quando comecei a escrever, escrevia poesia… O meu país é a minha língua, é o meu centro mais importante. A Coreia do Sul mudou muito e viver aqui significa ter muito em que ponderar e questionar. É muito complicado, mas é o papel dos roteiristas, então acho que é bom.
Qual dos seus livros você mais gostou de escrever? Escrevo muitos contos, mas gosto de escrever romances porque é a minha maneira de me fazer perguntas e superá-las, seguir em frente. Sinto que eles me levam adiante, me fazem progredir. Acho que os escritores sempre se sentem muito próximos de seus livros mais recentes, então me sinto conectado O Livro Branco (Ainda). Enquanto escrevia o livro eu estava pensando em coisas muito sólidas que não poderiam ser feridas ou destruídas, acho que estava olhando para essa parte de mim. Ele me deu muita força.
A dignidade humana é uma questão cada vez mais pungente no Brasil, com a violência contra as minorias aumentando durante o recente processo eleitoral. O que você diria às pessoas que temem ver sua dignidade humana violada? Às vezes temos fé mesmo que não tenhamos razão para isso. É o que somos, nascemos para ter fé. O que quero dizer é que temos consciência, nascemos com dignidade. Algumas situações nos fazem esquecer disso. Quero acreditar que os seres humanos são dignos e que a fé pode nos ajudar a seguir em frente.
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