Cantor Jão virou fenômeno sem saber como — eis aqu…

“O que eu fiz de tão certo para merecer tudo isso?”, questionará Jão do palco em frente a um estádio lotado em São Paulo na noite de sábado, 18. A dúvida é genuína. O show encerrou a turnê chamada Superpasseio — o nome de seu quarto álbum é Super, mas o título da turnê também é uma alusão à grandiosidade da produção, com telões, cenários, trocas de figurinos e dançarinos. No total, Jão atraiu meio milhão de pessoas para suas apresentações pelo país. Afinal, o que ele fez de tão certo?

O menino de Américo Brasiliense, interior de São Paulo, tem características comuns a muitos artistas. Ele é bonito, carismático e canta bem. Um combo essencial para esse tipo de sucesso, mas que não garante nada. Do público, este jornalista que lhe fala presenciou um público diversificado, mas com maior concentração de jovens em torno dos 20 anos e membros da comunidade LGBTQIA+. Havia também mães e filhas cantando juntas, homens adultos que conheciam a letra, além de casais heterossexuais se abraçando. Ao sair do estádio, o motorista do carro de aplicativo, um homem de 38 anos, me perguntou: “De quem é o show hoje?” Achei oportuno explicar de forma didática e disse: “de um cantor chamado Jão”. “Eu conheço João. Ele tem umas músicas legais”, me repreendeu o motorista, que era fã de rock nacional. “Mas eu não sabia que ele poderia encher um estádio”, disse ele. “Sim”, respondi. O que Jão fez tão bem para encher os estádios? O motorista então disse. “Gosto daquela música dele sobre algo idiota.” A faixa em questão fala sobre quando o cantor se apaixonou mais por uma pessoa do que gostava dele — o que não o impediu de ser feliz e viver o momento. Assim, criei uma teoria sobre esse fenômeno da música nacional.

Hoje, aos 30 anos, Jão canta músicas escritas na urgência do calor da juventude —começou a carreira em 2016. São letras românticas, sensuais, com excesso de colágeno e uma dose ínfima de sabedoria. A combinação fica apetitosa para qualquer ouvinte que esteja passando por essa fase, ou já passou por ela. Mas Jão acertou mesmo ao tirar o pudor e as máscaras para fazer músicas extremamente honestas.

Bissexual (atualmente namora um menino) e oriundo do interior — região do país que não costuma ser favorável à homossexualidade —, Jão também é homem de família. No meio do show, ele conversou com a irmã na plateia, perguntando onde estavam o pai e a mãe. Posteriormente, ele contou que sua mãe não assiste a parte da apresentação em que ele é içado ao topo do palco por um gancho. Ele agora poderia fingir ser algo que não é para a família, poderia dizer que a outra pessoa é o idiota e não ele, poderia parecer mais rebelde ou mais contido. Mas preferiu ser ele mesmo, com suas qualidades e defeitos — e, dessa forma, permitiu que muitos jovens que não podem ou não podem viver com tanta liberdade o fizessem através dele.

Parece óbvio que uma música deveria ser honesta, mas não é. A indústria musical sempre se moveu baseada em tendências, seguiu fórmulas prontas e se repetiu sem nenhum pingo de vergonha. Um passeio pelos cantores sertanejos mais ouvidos do país no momento atesta essa realidade. Jão, claro, não reinventa a roda, mas faz dela um veículo para despertar emoções enquanto ela gira sem restrições. “Queria sentar com vocês para contar e ouvir histórias”, disse ele do palco, uma afirmação que soou verdadeira. É possível imaginar Jão no bar conversando sobre seu último amor, ou quando reatou com uma ex ruim, porque “amor próprio é bom, mas o seu é mais”. Ou escrever versos no guardanapo sobre a própria paranóia, dizendo “Agora corro com meus lobos/ danço em volta do fogo/ nos meus olhos vejo os monstros/ Que insistem em me encarar”. Ao se abraçar, Jão abraçou 500 mil pessoas.