As (poucas) diferenças entre realidade e ficção em…

As (poucas) diferenças entre realidade e ficção em…



Eu ainda estou aqui, de Walter Salles, conta a história da família Paiva sob o ponto de vista de Eunice (Fernada Torres/Fernanda Montenegro) —uma mãe que teve que cuidar dos cinco filhos e da luta por justiça após o marido, Rubens Paiva (Selton Mello), foi torturado e morto pela ditadura militar em janeiro de 1971.

Baseada nas memórias homônimas de Marcelo Rubens Paiva, filho único do casal, a trama é bastante fiel à realidade. Na verdade, Rubens dirigiu seu próprio carro até o depoimento, do qual nunca mais voltou; Eunice e sua filha Eliana, de apenas 15 anos, foram levadas encapuzadas para as instalações do Exército; a casa da família foi ocupada durante dias por militares; um policial chegou a dizer a Eunice, pouco antes de libertá-la do Doi-Codi, que não concordava com o que ali acontecia; e a certidão de óbito de Rubens Paiva só foi emitida 25 anos após sua morte, em 1996. Existem, no entanto, algumas liberdades poéticas. Confira abaixo:

Pimpão — o cachorro da família

Adotado pelos Paivas após ser encontrado na praia por Marcelo, o animal não existia na vida real — pelo menos não na forma canina. A inspiração para o bichinho, aliás, foi um gato de rua que aparecia com bastante frequência no escritório de Rubens e na casa da família, e que passou a ser chamado por eles de Pimpão. Em entrevista a VEJA, Eliana disse que o animal desapareceu depois que Rubens foi levado pela polícia e nunca mais voltou. Filmar cães, porém, é mais fácil do que trabalhar com gatos — já que o temperamento dos felinos tende a ser mais indiferente e hiperativo.

Carro no pátio do quartel

Marcelo Rubens Paiva escreve no livro que sua mãe contou a todos que viu o carro de Rubens, um Opel vermelho, no pátio do Doi-Codi, o que comprovaria que ele foi levado para lá, assim como ela e Eliana. No filme, Eunice volta ao local para buscar o carro do marido, com a desculpa de tomar remédios para diabetes para ele. Quem resgatou o carro de Rubens, aliás, foi sua irmã mais velha, no dia 4 de fevereiro, quando levava remédios e roupas para o ex-deputado —que já estava morto há quase duas semanas. Os militares entregaram o carro a ela junto com um recibo atestando que o carro era DOI —mesmo assim, alegaram que Rubens não estava detido na unidade.

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Cinegrafista Veroca

Filha mais velha de Eunice e Rubens, Vera faz diversas imagens com uma câmera super-8 durante o filme, e ainda envia um vídeo relatando sua estadia na Inglaterra pouco antes de seu pai ser levado para a morte. A adição de filmagens foi uma ferramenta para destacar memórias familiares.

Professor no livro dos suspeitos

Eunice Paiva esteve presa no Doi-Codi durante 12 dias. Interrogada diversas vezes, foi obrigada a olhar um livro com fotos de pessoas procuradas e presos políticos, para ceder e apontar alguém que conhecia. No filme, a esposa de Rubens identifica a professora das filhas entre as fotos, mas diz não saber o que fazia ali. O agente conta então que a mulher foi flagrada com cartas para Rubens quando voltava de uma viagem ao Chile onde visitou exilados.

Na vida real, Eunice também teve que encarar o álbum de fotos, mas não cedeu. “Minha mãe identificou a foto da professora das minhas irmãs, Cecília, no álbum da prisão. Mas eu não falei nada”, escreveu Marcelo em suas memórias. Meses depois, em junho de 1971, Cecília enviou a Eunice uma carta – que é reproduzida detalhadamente no filme -, na qual ela dizia que estava presa com Rubens no Doi-Codi, e que ouviu o ex-deputado repetir o próprio nome e grita pela água, mais uma testemunha da prisão do ex-deputado.

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