As alfinetadas de Aguinaldo Silva após 41 anos na TV Globo

As alfinetadas de Aguinaldo Silva após 41 anos na TV Globo



Conhecido por sua vivacidade, autor de romances Aguinaldo Silva81 anos, 41 deles em TV Globo, está no Brasil para o lançamento do livro Meu passado me perdoa: Memórias de uma vida novelística (ed. Todavia). Radicado em Lisboa, o escritor e jornalista dedicou-se a escrever uma autobiografia durante a pandemia, poucos meses depois de ser informado de que o seu contrato de longa duração com a emissora carioca não seria renovado. Além de 18 livros, Aguinaldo tem em seu currículo dezesseis novelas do horário nobre, como Qualquer coisa serve, Tieta, Roque Santeiro Isso é Letras miúdas. Em entrevista a VEJA, Aguinaldo revela detalhes de sua saída da Globo; conta particularidades de sua trajetória; fala sobre o gênero que o tornou famoso e não se coíbe, com a ironia que lhe é peculiar, de falar sobre temas espinhosos, como a acusação de assédio contra Jose Mayera postura política de Regina Duarte e sua própria reputação – falsa – de Bolsonaro. Tudo com um ou outro, claro, apontado.

Saindo da Globo

Eles não estavam preocupados em fazer algo mais cortês depois de 41 anos em casa, era uma afirmação objetiva. Meu último contrato foi de seis anos, como eu fazia normalmente, e expiraria no dia 29 de fevereiro de 2020. O que realmente me chateou e achei inapropriado foi um cara da Globo me ligando no dia 1º de janeiro, no feriado, às 8h. pela manhã, para me avisar que não seria renovado. Como está no meu livro, a pessoa disse que a emissora não estava mais interessada no meu trabalho, ou seja, estava ‘mandando eu me foder’. Não sei exatamente quem tomou a decisão. Na época, a dramaturgia estava a cargo de Silvio de Abreu e o diretor geral era Schroder (Carlos Henrique), mas eles também não estão mais lá. Fui o primeiro de um lote. Logo depois, atores, autores e diretores, cujos contratos estavam terminando, foram demitidos. Confesso que fiquei até aliviado quando saí da Globo. A perspectiva de escrever outro romance utilizando esse sistema já não me atraía.

Horário nobre e pecúlio

Três meses depois do episódio sobre o fim do meu contrato, em plena pandemia, recebi a notícia de que Fina Estampa seria reexibida às nove horas, algo inédito na TV. Como digo nas minhas memórias, ‘saí pelos corredores da minha casa dançando mambo’. Fez muito bem ao ego depois que a emissora não me quis mais. E ainda tinha um detalhe: havia uma cláusula no meu contrato anterior que, caso uma de minhas obras fosse repetida no horário nobre, algo antes impensável, eu receberia o equivalente ao meu último salário de cada mês no ar. Não tenho motivos para reclamar da Globo hoje, ela me permitiu ter uma vida tranquila. Se você me perguntar se sou rico, eu digo que não. Rico é Elon Musk ou algum magnata brasileiro que é melhor não mencionar, mas tenho o suficiente para viver o resto da vida. Você simplesmente não pode passar dos 120 anos (risos).

Queda na audiência da novela

Muitos autores estão demasiado preocupados em renovar o género, mas não é renovável. Uma novela é um melodrama, é um drama intensificado, uma paixão selvagem. Não adianta: os temas centrais de toda a novela são as disputas familiares pelo poder e um grande amor entre duas pessoas que sofrem durante 180 capítulos até que tudo dê certo. Game of Thrones, aquela série fantástica, nada mais é do que um melodrama muito bem feito. Quando vejo as tramas que estão no ar, com exceção de algumas do horário das seis, sinto um certo ranço, vejo que os autores estão tentando ser ‘modernos’ e acabam perdendo a essência do gênero . Para mim, hoje só três pessoas fazem novela. São eles Glória Perez, João Emanuel Carneiro e Valcyr Carrasco.

Defesa de José Mayer

Trabalhei com o Zé (Mayer) durante décadas, conheço o seu caráter e sempre acreditei firmemente na sua versão da acusação de assédio sexual. As pessoas que trabalharam com os dois sabiam que a história contada pela menina, figurinista, não era verdade. Na verdade, eles tiveram um caso, algo consensual. Essa é a história. E houve um momento em que, por algum motivo que não sei, houve um rompimento e surgiu aquela atitude de vingança. Qual é o caminho natural num caso como este? Vá à polícia e registre uma queixa. Ela sempre se recusou a fazer isso. As pessoas eram muito cruéis com ele e isso custou muito ao Zé. Ele foi destruído profissionalmente.

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Patrulha do Politicamente Correto

Olhando para trás, há cenas que escrevi que me sinto envergonhado quando as vejo hoje. Lembro-me de um da Nazaré Tedesco (Senhora do Destino) onde passa uma mulher com excesso de peso e diz insultos por causa disso. Eu penso, oh meu Deus, eu realmente escrevi isso? Lembro também que Odete Roitman (Vale Tudo) falava coisas preconceituosas sobre o Brasil. Ela continuou chamando as pessoas de ‘gente pequena’, mas isso combinava com o poder maligno do personagem. Também era algo sobre o qual sabíamos que as pessoas falavam na vida real. Sei que sou de outra época e tenho consciência de que precisamos ter mais cuidado porque o mundo mudou. Você pode ser criativo sem ser ofensivo. Só não concordo com certos exageros, como a tendência que defende que para fazer novela interpretando um transexual é preciso ser trans. Eu acho que é um absurdo. O ator é um pretendente, sua marca registrada é a capacidade de interpretar qualquer personagem. Nesse caso, um personagem psicopata deve ser interpretado por alguém com esse transtorno.

Regina Duarte e os seus ‘erros’

Adoro Regina (Duarte) e devo muito a ela nas minhas novelas, não só pela viúva Porcina (Roque Santeiro), mas também por Raquel Acioly (Vale Tudo), personagem de um folhetim que também escrevi. Vejo que toda essa polarização que o país vive acabou piorando a situação, mas não podemos perder uma artista como a Regina porque ela deu opiniões que podem não ser agradáveis ​​de ouvir. Como qualquer ser humano, ela também é dada a fracassos, erros, enganos. Mas é uma pena que, de repente, todo o trabalho daquela pessoa comece a ser desvalorizado por um posicionamento político.

Não meça a língua nas redes sociais

Comparado com o que li na internet, acho que sou muito bem comportado nas redes sociais (risos). Mas agora, para não me expressar mal e não ter dúvidas de interpretação nas minhas postagens, principalmente no antigo Twitter, não posto mais nada no calor da emoção. Escrevo o texto, espero uns vinte minutos para relê-lo e depois deixo passar. Recentemente, furioso com dois ‘bolos’ nos shows da Madonna, disparei nela pela internet. Primeiro, a cantora tinha cancelado uma actuação mais intimista que ia fazer em Lisboa, para a qual tinha comprado bilhete, e depois atrasou-se mais de três horas para um concerto num estádio, para o qual tinha reservado lugar na primeira fila. . Fiquei com raiva por ter esperado tanto, saí e desabafei minha fúria nas redes sociais. Eu escrevi: ‘Madonna vai lutar (o original era uma merda). Nem mesmo Jesus me faria esperar uma hora. Uma enxurrada de críticas veio. O que eu queria dizer é que nem mesmo Jesus faria as pessoas esperarem tanto.

Irritação com a fama de ser bolsonarista

As redes sociais têm o poder de transformar uma mentira numa espécie de verdade absoluta, difícil de negar. Ainda no período em que Jair Bolsonaro era deputado federal, fiz um post me posicionando contra o jornalista Glenn Greenwald, que teve uma forte discussão com ele (Aguinaldo postou: “Queima dosca ou facista cretino? Minha conclusão: em termos de insultos , Bolsonaro é muito mais sutil e sofisticado que Glenn Greenwaldo”). Fui rotulado de bolsonarista notório, coisa que nunca fui. Também nunca votei nele.

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Encontro com Anitta

No início da carreira da Anitta, entrevistei ela para um programa que tinha no YouTube. Como muitos artistas que fazem muito sucesso logo compram um avião, perguntei se ela tinha um. Quando ela me respondeu, decidida, que ‘preferia investir nos seus vídeos’, já pude perceber que ela iria longe. Eu gostava das músicas dela daquela época. Hoje em dia é impossível gostar de qualquer música. Você não faz mais nada do que ouve e não esquece três dias depois. Não existe nenhum Tom Jobim, certo? Nesse período, até pensei em pedir para ela escrever uma música para uma de minhas novelas, mas não formalizei o convite. Depois, explodiu e entrou na fase mais aguda da carreira. Não nos encontramos mais.

Um ator vetado e outro fofoqueiro

Fiquei um pouco incomodado com o jeito de Murilo Benício articular suas falas, tanto que ele não fez nenhuma novela minha. Nesse aspecto, ele lembrava um pouco James Dean (1931-1955), que murmurava palavras entre os dentes. Mas não tenho problemas pessoais com o Murilo, tanto que se você me perguntar se eu trabalharia com ele hoje, eu diria que sim. Agora, o único profissional que realmente tirei de uma das minhas novelas, depois que a trama foi ao ar, foi o José Lewgoy (1920-2003), que era ótimo, mas causava muitos problemas em uma novela por causa da fofoca. Descobri que ele fazia comentários maldosos nos bastidores, inclusive com o autor, o que acabou prejudicando o clima da novela. Eu escolhi matar seu personagem.

Censura por cenas ‘excessivamente’ sensuais

Quando coloquei no ar a novela Duas Caras, fomos surpreendidos com diversas reclamações sobre o excesso de sensualidade nas cenas de pole dance. Naquela época (era 2007, segundo mandato de Lula), um órgão do Ministério da Justiça, que ainda existe e estipula a classificação etária da programação, deu um ultimato, sem alternativa de recurso. Ou a emissora modificava essas cenas ou a novela, que era às nove, passaria para as 23h. Foi muito tenso, corria o risco de prejudicar o andamento de toda a novela. Acabei optando por criar uma explosão de cabaré onde houvesse pole dancing. Se você me perguntar hoje se acho que foi censura, não estaria sendo honesto se usasse outro termo.

Novela arquivada e possibilidade de retorno à Globo, mas com condições

Essa história de que a Globo tinha uma novela minha já escrita em seu acervo e optou, no final do ano passado, por arquivá-la, não é verdade. O que aconteceu é que, por meio de um agente, a sinopse de uma nova trama chegou à gestão da Globo. Esta questão ainda está no ar, nada me foi decidido ou comunicado. Depois de tudo que aconteceu eu voltaria a trabalhar na delegacia, sou profissional. Mas, claro, você teria que avaliar as condições. Na minha biografia, sou um autor que só escreveu novelas no horário nobre. No total, são 16. Eu não quebraria essa regra. Agora, além deste romance, tenho mais três com sinopses prontas. Um deles está inclusive em negociação com uma TV de Portugal. Enquanto eu tiver vontade e resistência, continuarei fazendo novelas.



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