A edição de Jornal Nacional na noite de quarta-feira, 20, começou com uma reportagem sobre um tema de amplo interesse: os perigos de um novo golpe de celular envolvendo carteiras de motorista, ou carteiras de motoristados brasileiros. Foi uma reportagem relevante, sem dúvida, mesmo sendo uma matéria absolutamente comum para os padrões noticiosos da Globo. Mas eis que, bem no final do artigo, algo se desviou da habitual edição impessoal e asséptica. A âncora Willian Bonner levantou a bola e seu companheiro de banco, Ana Luiza Guimarães, fez uma revelação um tanto pessoal no ar. Primeiramente, ela disse que também foi abordada por esses golpistas. Em seguida, ela fez uma “confissão” pueril, mas capaz de surpreender o público: ela não tem nem carteira de motorista, porque nunca tirou.
O assunto pode parecer prosaico demais até para ser abordado neste relatório — mas, se o leitor for além destas linhas, verá que, por trás de algo assim, tão leve e inofensivo, há uma notável mudança de atitude que resume os dilemas do jornalismo televisivo atual.
Afinal, o que está por trás da oferta do JN?
Ao revelar que ela mesma foi alvo do golpe que o sujeito do JN, e também expondo ao país que não tem carteira de motorista, Ana Luiza Guimarães fez o que abre o apetite do público na era das redes sociais: entregou de bandeja um pedacinho de sua vida pessoal. É um detalhe fortuito que, na prática, não acrescenta nada digno de nota à importante denúncia do JN. Mas expor a intimidade, fazer acreditar que se é espontâneo e “verdadeiro” hoje é um ingrediente infalível — como comprova o sucesso dos ditos. influenciadores — mobilizar não só a audiência televisiva, mas também a arena da Internet. Quando o maior telejornal do país incorpora esse tipo de recurso, mostra que algo substantivo está mudando na relação das pessoas com a TV.
O que é essa mudança no jornalismo televisivo?
Nos últimos anos, o jornalismo profissional em geral em todo o mundo começou a enfrentar uma concorrência desleal — e prejudicial à sociedade — proveniente da enxurrada de fontes duvidosas de informação e de notícias falsas espalhadas pela internet, especialmente nas redes sociais. A reação a este perigoso avanço da desinformação inclui mudanças e readaptações significativas que não se pretende resumir aqui. Mas um sintoma visível específico é a tentativa de telejornais como a Globo de incorporar algo dessa “espontaneidade confessional”, por assim dizer, ao estilo de seus apresentadores. Lances como o de Ana Luiza Guimarães e outras piadas e gracejos pessoais de âncoras ou repórteres respondem a um desejo de ampliar a empatia e a credibilidade desses mediadores de notícias. Independentemente do que o espectador pense sobre a simples falta de carteira de motorista da estrela do programa, JNé um fenômeno que veio para ficar.
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