FOLHAPRESS – A Universidade de Brasília suspendeu o YouTuber e estudante Wilker Leão de Sá por 60 dias. Ele é acusado de gravar aulas e promover comentários ofensivos na internet contra a comunidade acadêmica alegando “doutrinação de esquerda”.
Wilker Leão de Sá não poderá frequentar as aulas de História da África e História do Brasil por 60 dias. A decisão foi publicada no diário interno da universidade na última sexta-feira (13/12).
A UnB começou a investigar o YouTuber depois que professores e colegas o acusaram de gravar aulas sem autorização. Na denúncia à reitoria, a comunidade acadêmica afirmou que os vídeos publicados por Wilker para sua torcida são editados e distorcidos, para promover ataques às redes sociais.
A reitoria entendeu que houve prejuízo à comunidade acadêmica com as gravações. As aulas das disciplinas foram suspensas, causando atrasos no ano letivo.
Wilker Leão considera a decisão “completamente absurda”. Ao UOL, o YouTuber narrou que não tinha direito à defesa e nega ser “sabotador” e “encrenqueiro”. Wilker, que também é advogado, disse que entrará com mandado de segurança no Judiciário para tentar reverter a suspensão. “O medo deles da minha presença na sala de aula e das minhas dúvidas relacionadas ao que é ensinado é chocante”, concluiu.
“Após consulta à Procuradoria Federal da UnB, a Reitoria decidiu suspender por 60 dias o aluno das disciplinas de História da África e História do Brasil 1. A decisão foi tomada para garantir o cumprimento dos princípios básicos da atuação administrativa estadual, especialmente no que diz respeito à supremacia do interesse público, à continuidade da prestação dos serviços públicos, à legalidade, à motivação e à garantia do direito de terceiros de boa-fé ao acesso à educação, garantido pela Constituição Federal de 1988″, afirmou o UnB, em observação.
Entenda o caso
A UnB (Universidade de Brasília) abriu inquérito para apurar possíveis infrações do YouTuber Wilker Leão, que ficou conhecido por chamar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) de “tchutchuca do centro”. Leão, que é estudante de história na UnB, gravou professores e alunos durante as aulas e os expôs nas redes sociais com milhões de visualizações.
Conforme mostrou o UOL em reportagem de novembro, Wilker Leão gravou aulas do curso de história da UnB e publicou em suas redes sociais alegando “doutrinação de esquerda”. Nas imagens é possível ver professores e colegas expostos, enquanto o YouTuber os satiriza.
Os vídeos mostram o YouTuber rindo de professores e colegas do curso. Leão está no segundo período do curso e grava aulas desde o semestre passado afirmando que está sendo “perseguido”.
Colegas e professores relatam que os vídeos do YouTuber são editados e as falas distorcidas. “Ele distorce as falas, edita as conversas e constrói uma situação irreal. Ele já disse abertamente que faz isso porque dá mais visualizações”, disse um colega de Leão, sob condição de anonimato, ao UOL.
Um professor da UnB chegou a registrar boletim de ocorrência por difamação. A professora disse em nota que foi chamada de “autoritária” e que os vídeos de suas aulas “chamaram a atenção de seus filhos menores”, que se depararam com “sucessivos comentários de ódio” da base de seguidores da influenciadora. A Polícia Civil do Distrito Federal informou que a “ocorrência foi registrada via Delegacia Eletrônica e encaminhada ao 2º DP, que está investigando o ocorrido”.
Os professores reuniram documentos e estudam tomar medidas legais no caso envolvendo o YouTuber. A comunidade acadêmica assinou um termo proibindo o uso de suas imagens em vídeos publicados pelo Leão. No entanto, os vídeos continuam a ser publicados. Em partes, as identidades dos presentes são preservadas, mas em trechos específicos é possível ver os rostos de outros alunos e de um professor.
A UnB afirma que está prestando assistência a professores e acadêmicos. Além disso, a universidade mencionou que “o aluno, no âmbito do seu processo de ensino-aprendizagem, pode fazer uso particular ou pessoal do material didático fornecido em sala de aula. Porém, qualquer modificação, alteração ou publicação, sem a devida autorização, diretamente viola os direitos autorais do professor, constituindo violação de sua utilização para fins diversos do objetivo do estudo”.
A LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) estabelece que o tratamento e a divulgação de imagens só poderão ocorrer mediante consentimento livre, informado e inequívoco do titular.
“Temos uma pessoa que não está aqui para estudar e sim para sabotar. Vamos conversar sobre isso com clareza. para fazer esse showzinho, para capitalizar e monetizar a gente. A maior falta de respeito, o cara veio brincar de terror”, diz uma professora filmada durante a aula.
‘Doutrinação de esquerda’
O YouTuber narra, sem apresentar provas, que as universidades públicas no Brasil impõem uma “doutrinação de esquerda”, inclusive a UnB. O aluno interrompe as aulas para fazer comentários sobre direitos humanos, racismo, gênero e outros temas enquanto filma rostos e vozes de professores e outros alunos.
Leão tenta inferir que os professores “não têm conhecimento do que estão ensinando” e diz que os professores fazem cortes específicos nas aulas para manipular o conteúdo. Em um dos vídeos, Leão ressalta que sofre “discriminação” após uma professora falar sobre os privilégios dos brancos. Ele é um homem branco e afirma que os próprios negros são racistas e que o professor “culpou a branquitude pelos problemas do mundo”. “Não foram só os negros que foram escravizados. Os brancos também foram escravizados”, afirma a influenciadora em vídeo. Em outro, ele diz que existe um “manual de esquerda e um manual de vitimização” quando o racismo é tratado em sala de aula.
“Tanto quanto eu vi a abordagem [policial] Não foi truculento (…) qual é o problema da polícia chegar com arma na mão?” As armas foram apontadas para jovens, com idades entre 13 e 14 anos, e um deles foi obrigado a tirar a roupa? o governo brasileiro pediu desculpas formalmente aos diplomatas de Burkina Faso, Canadá e Gabão.
O YouTuber nega que exista racismo na estrutura da sociedade brasileira. Temas como gênero e violência policial também são relativizados pela influenciadora.
‘Ele distorce as falas’, diz colega
O UOL entrevistou um colega de classe de Wilker Leão, que preferiu não se identificar por medo de retaliações. O aluno conta que a turma é alvo de ofensas desde que o influenciador começou a publicar os vídeos. Leão tem mais de um milhão de seguidores nas redes sociais.
Colega diz que o YouTuber distorce e edita as falas dos professores. Segundo ele, Leão faz considerações fora de contexto e edita o vídeo para colocar os professores em contradição.
Em apenas um dos vídeos divulgados pela influenciadora na rede social X, foram registradas mais de sete milhões de visualizações. As imagens também foram compartilhadas no YouTube, Instagram e TikTok. Em algumas redes sociais, o conteúdo é monetizado por alcance e número de visualizações.
Ele gravou desde o início, mas a princípio ninguém percebeu. Em todas as aulas ele fazia perguntas fora do tema da aula para provocar o professor ou os demais alunos. Nas primeiras aulas ele parecia apenas um aluno chato, mas depois que descobrimos que ele estava gravando, ficou claro que a zombaria tinha um objetivo claro. Ele tenta descontextualizar as falas do professor ou pegar respostas soltas. Colega de Wilker Leão
No início havia debate até com divergências dos alunos, diz ele. Porém, após a divulgação das imagens, o clima na sala de aula mudou, com o YouTuber “provocando” para gravar os vídeos.
“Houve tentativas de conversas mais de uma vez, pedindo de forma acolhedora para ele parar, mas todos eram sempre ignorados. Eu e outros alunos fomos conversar com ele individualmente dizendo que não achávamos legal e que gostaríamos ele parou e ele apenas respondeu ‘ok, mas eu não me importo.’ Quatro professores e um coordenador também tentaram conversar com ele para pedir que parasse e ele respondeu da mesma forma”, disse um colega de Wilker Leão.
O calendário das aulas é afetado pelas intervenções do YouTuber. Segundo integrantes da turma, em condição de discrição, as aulas foram interrompidas e canceladas após confusão: “há muitos danos ao calendário. Mais de uma vez um debate sobre determinado livro, texto, autor não pode ocorrer até o terminar porque desviava a conversa para outra coisa que seria material para seus vídeos”.
Wilker Leão ficou conhecido como ‘Tchutchuca do Centrão’
Em agosto de 2022, Leão teve problemas com o então presidente Jair Bolsonaro (PL). Na época, o homem, formado em direito e cabo da Reserva do Exército, já gravava vídeos para as redes sociais.
Youtuber chamou Bolsonaro de “tchutchuca” do centrão. Sob o título “Questionando o gado”, em referência aos apoiadores do ex-presidente, Leão ganhou popularidade e viralizou nas redes sociais. O termo “tchutchuca” passou a ser usado por opositores para se referir a Bolsonaro.
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“Quero ver se você tem coragem de falar comigo, tchutchuca do centro […] Esse está fazendo tudo que o PT faz, senão o PT volta. Seu covarde, desgraçado, vagabundo, estou falando na frente do gado no curral. Cadê o machão?”, disse Leão em 2022, pouco antes das eleições em que Bolsonaro foi derrotado.
Na época, o YouTuber foi repreendido pelo próprio Bolsonaro e confrontado por seguranças.
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