Superior Tribunal Militar não faz justiça ao relevar o assassinato de dois inocentes por militares fardados

Superior Tribunal Militar não faz justiça ao relevar o assassinato de dois inocentes por militares fardados


Editorial classificou a decisão da Corte como “corporativismo indecente”. (Foto: Reprodução/STM)

O Estado brasileiro falhou miseravelmente não uma, mas duas vezes com dois homens inocentes, o músico Evaldo Rosa e o colecionador Luciano Macedo, e suas famílias.

No dia 7 de abril de 2019, Evaldo e Luciano foram baleados por oito militares do Exército durante um patrulhamento irregular em Guadalupe, zona norte do Rio, sob o pretexto de coibir o tráfico de drogas no perímetro da Vila Militar – ação que só poderia ser realizada sob orientação expressa. autorização da Presidência da República, o que nunca aconteceu. No local, a morte física dos dois homens foi decretada por agentes do Estado.

Evaldo e sua família estavam a caminho de um chá de bebê quando o carro que o músico dirigia foi “confundido” pela guarnição comandada pelo tenente Ítalo da Silva Nunes com outro que teria sido ocupado por supostos criminosos. Os soldados não hesitaram e abriram fogo. Nada menos que 257 tiros de fuzil foram disparados “por engano” contra o veículo do músico, que morreu instantaneamente. Ao ver a família desesperada sob uma chuva de balas, Luciano tentou ajudá-los, mas também foi baleado. Levado para um hospital, ele morreu dias depois.

Na primeira instância, os arguidos foram condenados a penas entre 28 e 31 anos de prisão. O caso, porém, chegou ao Superior Tribunal Militar (STM), onde o espírito de corpo, aparentemente, foi mais forte que o desejo dos ministros da Corte de fazer justiça diante de um crime brutal cometido por militares fardados.

No dia 18 de dezembro, o STM absolveu os oito militares do assassinato de Evaldo. Prevaleceu o entendimento do relator, Carlos Augusto Oliveira, segundo o qual não houve intenção de matar – imagine o leitor se houve – e, ainda, não foi possível precisar de onde partiu o tiro fatal. Na verdade, a perícia técnica foi inconclusiva, mas isso deveria ter levado à revisão da dosimetria das penas, e não à absolvição. Em relação à morte de Luciano, o STM reclassificou o crime para homicídio culposo, reduzindo drasticamente a pena aplicada aos réus para pouco mais de 3 anos de detenção, a ser cumprida por todos em regime aberto.

Em Brasília, portanto, foi decretada a segunda morte das vítimas, esta de natureza moral. Evaldo e Luciano foram tratados indignamente pelo STM como dois infelizes que tiveram o azar de estar no lugar errado na hora errada. Trata-se de uma afronta à sociedade, que não espera da justiça outra coisa senão a punição de qualquer cidadão que cometa crimes, sejam eles civis ou militares. Afinal, o Brasil é uma República onde todos são supostamente iguais perante a lei, portanto o uniforme não dá a ninguém o direito de matar impunemente em tempos de paz.

Além disso, o STM vilipendiou a memória das vítimas e feriu os sentimentos das suas famílias, que tiveram de ver o Tribunal tratar as vidas perdidas pelos seus entes queridos como bens menos preciosos do que como salvaguarda dos interesses corporativos das Forças Armadas.

Este terrível caso, acima de tudo, é o retrato mais completo do absoluto despreparo das Forças Armadas para atuarem como policiais, especialmente nas áreas urbanas. (Estadão Conteúdo)