Projeto leva estudantes para aula em terreiro em comunidade de candomblé

Projeto leva estudantes para aula em terreiro em comunidade de candomblé



Júlia Giusti*

Eduardo Vanunci

Alunos do Centro de Ensino Médio (CEM) 2 de Planaltina, na Região Metropolitana de Brasília, viveram na última terça-feira uma experiência de contato com a arte e a cultura afro-brasileira. Por meio do projeto Ogbon Mimo – Sabedoria Sagrada, 68 alunos da escola participaram de uma visita guiada à casa de candomblé Ilê Odé Axé Opo Inle, em Planaltina.

Numa espécie de passeio dividido em estações, os visitantes conheceram os orixás, os instrumentos musicais e a culinária da comunidade, além de apreciarem fotos, pinturas, desenhos e peças artesanais de países africanos. A ideia é promover o respeito à diversidade e desconstruir preconceitos e combater a intolerância religiosa. A iniciativa conta com o apoio da Fundação Palmares e do Ministério da Cultura, em linha com a Lei nº 10.639, de 2003, que torna obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas.

Babakekere (paizinho, segundo na hierarquia da casa) e produtor do projeto, Renato Gomes, explica que a iniciativa surgiu como uma forma de apresentar aos alunos o universo do terreiro de Candomblé, quebrando barreiras através da experiência. A comunidade já visitava escolas, trazendo conhecimentos sobre a cultura e as religiões africanas, mas sentiu a necessidade de expandir a experiência prática. “É diferente a gente ir às escolas e os alunos estarem dentro do território. Além da parte da religiosidade, tem a história, a cultura e a influência da música africana na construção do Brasil”, destaca.

Entre os aspectos centrais da comunidade do terreiro estão a culinária e a música. “Tudo o que fazemos é na cozinha, envolve comida, porque é o mais importante da nossa religião. A música anda de mãos dadas com a culinária, e tudo termina em festa, com a história dos orixás sendo contada através da música e dançar”, ele compartilha. Ele acrescenta que os costumes da comunidade buscam estabelecer uma relação harmoniosa com os orixás e promover a integração entre as pessoas, sem distinção: “A casa de Candomblé acolhe as pessoas, elas não escolhem, vivemos em família”, enfatiza Renato.

Respeito

Elias Viana, Ojú Ilê (apresentador da casa) e produtor do projeto, acrescenta que a iniciativa busca combater a desinformação e o preconceito enraizados na sociedade, com o intuito de promover o respeito e a diversidade religiosa.

“A proposta é desmistificar a demonização das religiões de origem africana. Quando os estudantes chegam aqui, recebem uma chuva de informações, de cultura, no que diz respeito à contribuição da África para a construção da sociedade brasileira. suas religiões, tendo em conta que o país é laico, por isso o nosso projeto funciona nesta perspetiva”, sublinha.

Um fato que chamou a atenção dos organizadores foi que o interesse dos alunos em conhecer a comunidade aumentou à medida que aconteciam as visitas às escolas. “Nos dois grupos que vieram antes, a média rondava os 40 alunos. Agora, o número aumentou para 68. Então, percebemos que há divulgação na escola e nas famílias de quem já fez a visita”, ressalta Elias Viana.

Durante o passeio, os alunos tiveram contato com a história dos povos africanos, a escravidão no Brasil e os significados dos artefatos e costumes dessas populações. Além das palestras, eram levados às casas sagradas, cada uma representando um orixá, que era interpretado por membros da comunidade. Também aprenderam sobre arte e culinária, por meio de exposições e degustações de pratos típicos, como acarajé e manjar. Por fim, os alunos participaram da apresentação do grupo de percussão Afoxé Omo Ayó.

Experiência

O produtor Elias Viana procurou professores de história, sociologia e artes, que se dispuseram a aceitar a proposta.

Danilo Monteiro, que leciona sociologia no CEM 2 de Planaltina, trabalha questões étnico-raciais com os alunos e viu no Ogbon Mimo uma oportunidade de continuar aprendendo. “O terreiro representa uma pequena África dentro do Brasil. Achei muito interessante que os pais também deram a eles a liberdade de visitar, porque sabemos que existe uma demonização das religiões de base africana. experiência para quebrar estereótipos e preconceitos”, destaca.

Tailane dos Santos, 18 anos, considerou a experiência muito útil. “Já visitei outras comunidades africanas, mas eram de umbanda. Num terreiro de candomblé é a primeira vez. Foi uma novidade. O que mais gostei foi conhecer os orixás”, conta.

Assim como Tailane, Gabriel Oliveira, 18, também já havia visitado um terreiro. Mesmo assim, para ele, foi inovador, “muito interessante e diferente”. Após as explicações da comunidade, ele afirma: “É muito importante não falar negativamente sobre as religiões sem antes conhecê-las”.

As visitas continuam até o dia 11 de junho.

saber mais

A casa

» Ilê Odé Axé Opo Inle (Casa do Caçador cuja Força vem de Inle) é uma comunidade tradicional de origem africana da nação iorubá, fundada em 1996. Com cerca de 150 membros, é uma das maiores do Distrito Federal e arredores áreas.

Legislação

» O Estado laico no Brasil foi instituído na Constituição de 1891, determinando a interferência não estatal em questões religiosas. Na Constituição de 1988, a liberdade religiosa foi garantida no artigo 5º. Em 2003, a Lei nº 10.639 determinou a obrigatoriedade do ensino da história e da cultura afro-brasileira nas escolas. Apesar da legislação, o Disque 100 — canal de ouvidoria para violações de direitos humanos — recebeu, em 2023, mais de 2 mil denúncias relacionadas à intolerância religiosa, o que representa um aumento de 80% em relação a 2022. Segundo o canal, as religiões de matriz africana são os mais afetados por esse tipo de violência.

*Estagiários sob supervisão de Malcia Afonso



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