Padronizar decisões sobre o uso de Inteligência Artificial na eleição brasileira vira desafio para a Justiça

Padronizar decisões sobre o uso de Inteligência Artificial na eleição brasileira vira desafio para a Justiça


O TSE está empenhado em aprimorar uma ferramenta para consolidar a jurisprudência sobre inteligência artificial. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) regulamentou recentemente o uso de Inteligência Artificial (IA) nas eleições por meio de resolução aprovada este ano. Porém, a subjetividade do tema, a falta de precedentes e as dificuldades técnicas em identificar o que foi ou não criado por IA representam desafios significativos para a primeira eleição com uso massivo desta tecnologia.

Na tentativa de garantir alguma uniformidade nas decisões, a Justiça Eleitoral está incentivando juízes de todo o país a consultarem um repositório do Tribunal que reúne todas as decisões relacionadas ao uso de IA no contexto eleitoral. Embora esta ferramenta tenha sido lançada em 2019, o TSE está empenhado em aprimorá-la para consolidar a jurisprudência sobre inteligência artificial.

O ministro Floriano de Azevedo Marques esclarece que a base de dados da Justiça Eleitoral já contém decisões sobre combate à desinformação desde 2022. “Ao acessar o repositório, caso um caso chegue à sua zona eleitoral, [o juiz vai] verificar o estado da arte da jurisprudência do Superior para ver se ela se enquadra no caso que ele tem que julgar e evitando assim decisões muito díspares”, afirma o magistrado sobre o funcionamento da ferramenta.

Porém, o assunto é tão complexo que algumas decisões já foram questionadas por especialistas. O caso mais emblemático envolve a deputada Tabata Amaral (SP), pré-candidata do PSB a prefeito de São Paulo. A parlamentar publicou em suas redes sociais um vídeo em que o rosto do prefeito Ricardo Nunes (MDB), seu adversário na disputa, é inserido no corpo de Ryan Gosling, ator que interpreta o boneco Ken no filme Barbie. O vídeo faz um trocadilho com o pronome “quem” e o personagem “Ken”, sugerindo que o prefeito é desconhecido na cidade.

Na decisão, o juiz eleitoral do caso afirma que o uso de IA na modalidade “deepfake” não foi considerado para “fins ilícitos”. Conclui que não houve “exposição vexatória” de Nunes que pudesse “manchar suas honras objetivas ou subjetivas”.

“Até porque a montagem é feita sobreposta a um personagem bem aceito mundialmente, que não aparece como vilão, criminoso ou figura desprovida de bons valores e caráter duvidoso”, diz o juiz, acrescentando que não houve menção às eleições de 2024. A defesa de Nunes recorreu, mas a decisão foi mantida.

Fernando Neisser, professor de direito eleitoral da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo, entende que o caso de Tabata se enquadra no artigo 9-C da resolução 23.732/2024 do TSE, segundo o qual “é proibido o uso em propaganda. processo eleitoral, qualquer que seja sua forma ou modalidade, de conteúdo fabricado ou manipulado para divulgar fatos notoriamente inverídicos ou descontextualizados, com potencial de causar danos ao equilíbrio da eleição ou à integridade do processo eleitoral”.

“O vídeo [da Tabata], em tese, constitui uma prática ilegal, pois utiliza Inteligência Artificial para atacar o adversário”, afirma Neisser, que continua. “A preocupação do TSE é com o uso da ferramenta, que tem potencial de desinformação com esteroide anabolizante.”

Entre as principais preocupações da Justiça Eleitoral neste ano estão justamente os deepfakes. O ministro Marques já classificou a prática como uma espécie de “fake news 2.0”. Isso porque a tecnologia não só permite a produção mais rápida de informações falsas, mas também trouxe um salto na qualidade dessas produções, tornando praticamente impossível ao olho humano detectar a manipulação realizada por um programa de computador.