Padres exorcistas presenciam ‘manifestações demoníacas’ e já são dezenas no Brasil

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em 19 anos de batina, padre Dalmário Barbalho de Melo, 46, diz ter presenciado apenas um caso de possessão demoníaca. “Ela era uma adolescente de 14 anos que nunca havia estudado outra língua além do português. De um momento para o outro falava mandarim, russo, inglês, línguas africanas”.

A jovem franzina de repente revelou uma força incomum, segundo ele. Ela cuspiu na frente do crucifixo, praguejou e revelou detalhes sobre as pessoas ao seu redor que ela não poderia saber de antemão.

Demorou quatro meses para o demônio sair daquele corpo que não lhe pertencia, diz Dalmário. E foi baseado na oração. “O exorcista só tem esse recurso.”

O “menino com mensagens de Deus”, como se autodenomina este padre fã dos Beatles e da Legião Urbana, é desde outubro o exorcista oficial da Arquidiocese de Natal (RN).

A AIE (Associação Internacional de Exorcistas) possui 46 filiadas no Brasil, entre mais de 900 espalhadas pelo mundo. Há quem ocupe esse cargo no país sem ser associado, afirma padre João Paulo Veloso, porta-voz da entidade e exorcista da Arquidiocese de Palmas (TO).

Em 1985, o então Cardeal Joseph Ratzinger (futuro Papa Bento XVI), na altura prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, um órgão do Vaticano, invocou o código canónico para esclarecer quem poderia, em última instância, cumprir a função. “É lícito a ninguém realizar exorcismo em pessoas possuídas”, exceto aquele nomeado pelo bispo ou arcebispo, disse ele.

Se a diocese não tiver um candidato, e muitos não têm, os casos suspeitos são encaminhados ao líder local. Por exemplo, Dom Odilo Scherer é quem deveria recebê-los na Arquidiocese de São Paulo.

Para Dalmário, sua formação é maximizada pela formação em psicologia, uma das licenciaturas que possui – formou-se também em filosofia, teologia e história. Com 28 mil seguidores no Instagram, ele é o que poderíamos chamar de padre influenciador.

Em 2019, o colega Fábio de Melo replicou um vídeo de Dalmário cantando a música sertaneja “Boate Azul” em uma missa. Melo elogiou o dom do potiguar “de se comunicar com uma linguagem que as pessoas entendem”. A abordagem rápida, aliada a uma “vida de oração verdadeira e intensa”, segundo Dalmário, permite-lhe exorcizar demônios do cotidiano.

O repentino episódio poliglota é um em um milhão. “De fato, minha irmã, é algo muito raro de acontecer”, afirma ao repórter. Os exorcismos cotidianos pouco se parecem com cenas extraordinárias “pintadas por Hollywood”, que alimentam o estereótipo do “padre sombrio” – o mesmo que você pensou, do filme “O Exorcista”, em que uma mulher possuída levita e vira a cabeça .

As manifestações demoníacas são menos propensas a efeitos especiais e, portanto, não são isentas de grande perigo, afirma o sacerdote. Podem enxamear num “coração petrificado pela falta de amor” e causar vícios que destroem famílias.

O cronista João do Rio, em suas “Religiões no Rio”, já falava dessa profissão no início do século XX. “Só em 1903, exorcizei mais de 300 mulheres demoníacas”, relatou-lhe Frei Piazza.

O religioso também reproduz a frase que usa para expulsar demônios, que chama de “espírito imundo” e “serpente antiga”, e depois os condena: “Os vermes esperam por você e pelos seus”.

Cofundador da AIE, o italiano Gabriele Amorth (1925-2016) já declarou: “Tenho medo de Satanás? É ele quem deveria ter medo de mim. Trabalho em nome do Senhor do mundo. Ele é apenas o macaco de Deus”.

‘DESFAZER TODO MAL’

Cerca de 25 pessoas aguardam o padre Jader Pereira, 51 anos, no Santuário Bom Jesus. A autoproclamada “maior autoridade em exorcismo no Brasil” conduz sua “missa de cura, libertação e exorcismo” às vésperas do Halloween.

Jader se apresenta em um panfleto ali distribuído: “Você sofre com problemas espirituais? Está tudo dando errado na sua vida? Não sabe mais o que fazer? O padre desfaz todo o mal”.

A estética da casa, armazém no Brás (região central de São Paulo), é uma salada ecumênica. Tem a sensação de uma igreja pentecostal de bairro com símbolos do catolicismo romano, do judaísmo e um triângulo onde se lê YHWH (Jeová, em hebraico).

Jader pertence à Igreja Católica Apostólica Renovada, uma dissidência sem ligação com a Santa Sé. Filho de um membro da Igreja Quadrangular que mais tarde criaria esta nova denominação cristã, tornou-se sacerdote em 1997.

Ele imediatamente percebeu que tinha o que chama de dom. “Aconteceu comigo que as pessoas caíam, tentavam pegar uma cadeira e jogavam em mim, juro. Vi que era algo espiritual”.

“Espíritos de pessoas mortas? Não, isso é outra coisa. Eles são espíritos malignos. Existe um reino deles, o reino das trevas.” E esses seres, afirma ele, escolhem acima de tudo “pessoas espiritualmente fracas” para servir-lhes de canais com o mundo terreno.

O caso mais grave que ele diz ter visto: uma mulher que estava trancada em um quarto onde “coisas voavam” e “escritas com uma bela caligrafia” até apareciam no teto. Eram, segundo o padre, mensagens do possuidor.

O Novo Testamento, ressalta Jader, narra como Jesus é convocado para ajudar um menino que “espuma, range os dentes e definha”. A força maligna jogou o endemoninhado “no fogo e na água para destruí-lo”.

Jesus então ordena: “Saia dele e não entre mais nele”. O menino permanece “como morto”, até que o filho de Deus o pega pela mão e ele se levanta.

Os exorcistas contemporâneos contam com uma equipa “idealmente composta por especialistas em medicina, psiquiatria e psicologia, bem como por pessoas experientes na fé”, segundo o padre João Paulo, da AIE.

É claro que nem tudo depende do diabo. É necessário discernir “uma possível ação extraordinária do maligno daquela que é apenas consequência de más escolhas de vida ou de doenças naturais”.

Mas o mundo tem assistido a “um aumento significativo da acção extraordinária do demónio”, que o clérigo atribui ao “satanismo em ascensão” e ao “indiferentismo religioso”.

“Muitos crentes já não vivem em estado de graça”, lamenta. Não faltará trabalho para os exorcistas.