O presidente do Supremo manifestou incômodo com a “implicância” de quem questiona a convivência de ministros e magistrados com políticos e empresários em eventos corporativos ou festivos

O presidente do Supremo manifestou incômodo com a “implicância” de quem questiona a convivência de ministros e magistrados com políticos e empresários em eventos corporativos ou festivos


“Há um mal-entendido, uma percepção equivocada de que os ministros do Supremo Tribunal estão disponíveis para qualquer influência”, disse Barroso. (Foto: Antônio Augusto/Secom/TSE)

Quando o chefe do STF não vê problema em os juízes interagirem com empresários, negociarem nomeações e julgarem casos de escritórios de advocacia de família, a sociedade tem um problema. Em entrevista ao programa Roda Viva, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, manifestou desconforto com a “implicação” de quem questiona a convivência de ministros e magistrados com políticos e empresários em eventos corporativos ou festivos .

“Há um mal-entendido, uma percepção equivocada de que os ministros do Supremo Tribunal estão disponíveis para qualquer influência”, afirmou. “É um erro pensar que as pessoas chegam a este ponto da vida disponíveis para qualquer tipo de sedução, como uma passagem para a Europa ou um hotel de qualidade. A maioria das pessoas lá pode ir sem ser convidada”, disse ele.

Por outras palavras, como os juízes podem pagar pelos seus próprios luxos, não há problema quando terceiros pagam por eles. Ao comentar casos julgados por ministros que têm parentes nos conselhos jurídicos que defendem um dos partidos, disse: “Tudo o que um ministro do Supremo faz é sujeito ao escrutínio público, (…) se houver algo errado, (a imprensa) vai contar para todo mundo”, afirmou.

Tudo acontece como se não existissem conflitos de interesses objetivos e comportamentos inadequados a priori. A isenção dos juízes só poderá ser questionada a posteriori, após decisões parciais. A sociedade que se satisfaz com a convicção do magistrado sobre o seu próprio caráter. “Depois de pensar qual é a solução correta, não há pedidos, não há favores, não há pressão económica, faço o que tenho que fazer”, explicou.

Precisa parecer

Não é esse o entendimento do Código de Ética do Poder Judiciário, que obriga o juiz a evitar “todo tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito”. Não se trata apenas de não favorecer, mas de evitar a impressão de favoritismo. Não basta ser imparcial, é preciso aparecer.

Mas essas aparências estão se perdendo numa confusão ética. A liturgia do ofício é cada vez mais irrelevante. Ministros promovem “fóruns” na Europa patrocinados por empresas com processos no STF, onde participam corruptos confessos e condenados. E? Havendo favorecimento judicial, a imprensa deveria noticiar. Caso contrário, “não há como regular a vida privada de uma autoridade pública”, queixou-se Barroso. Novamente, não é isso que entende a Lei Judiciária, que exige dos juízes não apenas que atuem com “independência”, mas que tenham “conduta irrepreensível na vida pública e privada”.

Com interpretações tão flexíveis das regras do poder judiciário e do princípio constitucional da impessoalidade, não é de estranhar que os ministros articulassem a indicação de candidatos de sua preferência aos tribunais ou ao Ministério Público, nem que o Presidente da República se sentisse tão confortável na nomeação do seu candidato para o Tribunal. amigo e advogado, Cristiano Zanin.

Em 2023, uma proposta de resolução do Conselho Nacional de Justiça que daria mais transparência e controle à participação de juízes em eventos patrocinados foi derrotada no plenário. O povo, por meio de seus representantes eleitos no Congresso, estabeleceu em 2014 uma regra que prevê o impeachment do juiz nos casos em que o partido seja cliente de escritório de advocacia de parente. Mas em 2023, em ação da Associação dos Magistrados, o STF decidiu que se tratava de um preconceito intolerável nos termos da Constituição. Cinco dos sete ministros que votaram pela inconstitucionalidade têm parentes na advocacia.

Se alguém, por exemplo, questionar a idoneidade do ministro Dias Toffoli para suspender multas de uma empresa como a J&F, que tem entre seus defensores ex-juízes (como foi, por um tempo, o ex-ministro Ricardo Lewandowski) e parentes de juízes, como o próprio Toffoli esposa ou esposa de Zanin, deve ser por mera “implicação”. A promiscuidade, aparentemente, está nos olhos de quem vê. A sociedade só precisa acreditar que juízes como Toffoli pensam na solução correta e fazem o que têm que fazer.

Barroso, por sua vez, diz não ver necessidade de um código de ética para regular a conduta dos ministros, o que significa que não vê condutas antiéticas a serem regulamentadas. Se é isso que o chefe do Judiciário entende por Justiça “cega”, então a sociedade tem um problema. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.