O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, vem se permitindo frequentar ambientes e eventos eminentemente políticos

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, vem se permitindo frequentar ambientes e eventos eminentemente políticos


O caso mais recente foi a homenagem que Campos Neto acaba de receber da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. (Foto: Pedro França/Agência Senado)

O princípio da impessoalidade é um dos mais relevantes na administração pública, conforme explicitamente estabelecido na Constituição, em seu artigo 37. As razões são óbvias: um funcionário público não pode agir de acordo com suas predileções pessoais ou com suas convicções político-partidárias, porque o Estado, por definição, deve tratamento igualitário a todos os cidadãos, sem distinção. Este valor é particularmente relevante em instituições responsáveis ​​por decisões muito sensíveis para a sociedade como um todo – e aqui podemos destacar, como exemplos, o Supremo Tribunal Federal (aquele que tem como prerrogativa “cometer o último erro”, como disse Rui Barbosa) e o Banco Central – BC (aquele que deve ter autonomia justamente para se proteger das pressões políticas naturais e, assim, poder tomar medidas impopulares se necessário).

Muito já se disse sobre o Supremo Tribunal: hoje é uma instituição cujas decisões, infelizmente, muitas vezes atraem todo o tipo de suspeitas e descrédito, precisamente porque alguns dos seus ministros perderam de vista a natureza absolutamente impessoal do seu trabalho. Agora é hora de falar do Banco Central.

Recentemente, tem circulado a notícia de que o presidente do BC, Roberto Campos Neto, tem se permitido frequentar ambientes e eventos eminentemente políticos. O caso mais recente foi a homenagem que Campos Neto acaba de receber da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), seguida de um jantar supostamente “íntimo” – repleto de banqueiros, políticos e empresários – oferecido pelo governador do Estado, Tarcísio de Freitas (Republicanos), no Palácio dos Bandeirantes. Por iniciativa do deputado Tomé Abduch (Republicanos), a Alesp concedeu ao presidente do BC a Medalha de Honra ao Mérito Legislativo do Estado de São Paulo.

O que passa na consciência de Campos Neto quando ele aceita um convite como esse é problema só dele, mas o presidente do BC muito provavelmente sabe que sua imagem está diretamente ligada à instituição que dirige – e não se pode condenar quem vê naquele convescote de Bolsonaro na Alesp a prova que faltava de que o BC de Campos Neto está contaminado pela luta que mobiliza o país.

Até recentemente, nada sugeria que as possíveis preferências políticas de Campos Neto estivessem norteando suas decisões à frente do BC, apesar de seus descuidos – como quando ele foi votar nas eleições de 2022 vestido com a camisa da Seleção Brasileira, que era então o uniforme do o bolsonarismo. Vale lembrar, por exemplo, que o BC de Campos Neto aumentou os juros básicos da economia justamente naquele ano eleitoral, sem considerar o impacto que isso poderia ter na candidatura do presidente Jair Bolsonaro – que o havia indicado para o cargo. Em geral, economistas de diferentes tendências consideram que Campos Neto tem feito um trabalho competente e responsável até agora – e a melhor prova disso talvez sejam as críticas apopléticas que recebe sistematicamente da presidente do PT, Gleisi Hoffmann.

Mas esta percepção pode mudar, o que dificultaria a gestão das expectativas do mercado pelo Banco Central, que já está muito nervoso com a incapacidade do governo petista de evitar o abismo. A reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) de maio passado, que opôs claramente os diretores indicados por Bolsonaro aos indicados pelo presidente Lula da Silva na fixação das taxas de juros, pode sugerir alguma forma de divisão política dentro do BC. É possível que tenha sido apenas coincidência, mas a desenvoltura de Campos Neto entre os bolsonaristas não ajuda a dissipar dúvidas e desconfianças. Pelo contrário, acentua-os.

Campos Neto poderia facilmente ser empregado no setor privado, seja no Brasil ou no exterior. Ao aceitar presidir o BC, porém, o executivo fez uma escolha livre e consciente de abraçar o serviço público durante um período de sua vida. E com o serviço público vêm grandes responsabilidades e restrições não triviais. Por isso, pede-se a Campos Neto o mesmo que se espera de todo servidor público: prudência, discrição e impessoalidade. (Opinião/O Estado de S. Paulo)