Novas regras para entrada de imigrantes no Brasil entram em vigor

Novas regras para entrada de imigrantes no Brasil entram em vigor


Entidades de acolhimento de refugiados manifestam preocupação

Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Rovena Rosa/Agência Brasil

A partir desta segunda-feira (26), os imigrantes que desembarcarem no Brasil com a intenção de continuar viagem para outro país e que não possuam visto para entrar em território brasileiro terão que continuar viagem até seus destinos finais ou retornar aos seus países de origem imediatamente. .

A medida faz parte das novas regras de acolhimento de imigrantes que o Ministério da Justiça e Segurança Pública anunciou na última quarta-feira (21) e que entrou em vigor hoje. As regras valem apenas para viajantes estrangeiros vindos de países cujos cidadãos brasileiros exigem visto de entrada.

O visto para estrangeiros é um documento oficial, concedido pelos consulados brasileiros no exterior. Permite a entrada e permanência temporária de cidadãos de outros países em território nacional, desde que cumpridos os requisitos legais.

O Brasil adota uma política de concessão de vistos baseada no princípio da reciprocidade. Ou seja, exige visto de entrada para pessoas oriundas de países que fazem o mesmo para brasileiros. O Brasil tem acordos bilaterais com cerca de 90 nações, abolindo reciprocamente a exigência de visto.

Trânsito

Em vigor desde 2017, a Lei de Migração (Lei nº 13.445) prevê cinco tipos diferentes de vistos (de visita, temporário, diplomático, oficial e de cortesia) e estabelece que não será exigido visto de visita ao estrangeiro cujo voo faça conexão ou escala . em território brasileiro, desde que o viajante não saia da área de trânsito internacional.

Segundo o Ministério da Justiça e Segurança Pública, a não exigência de visto para casos de conexão ou escala buscou desburocratizar e agilizar o fluxo de passageiros em viagens internacionais. Contudo, acabou facilitando a atuação de organizações criminosas envolvidas no tráfico de pessoas e no contrabando de imigrantes, levando ao aumento do fluxo migratório irregular.

Conforme noticiou a Agência Brasil em julho deste ano, após investigações, a PF (Polícia Federal) concluiu que imigrantes sem documentação adequada estão sendo atraídos por grupos criminosos. A maioria vem de países asiáticos e quer chegar aos Estados Unidos e ao Canadá.

As investigações mostraram que os viajantes foram orientados a, ainda em seus países, comprar passagens para voos para outros destinos sul-americanos com conexão ou escala no Brasil. E que, ao invés de solicitarem antecipadamente o visto de entrada, deixaram de pedir refúgio ao chegarem em território brasileiro, desistindo de prosseguir viagem. Muitos até se livraram dos cartões de embarque originais. Com base nas regras actualmente em vigor, foram então autorizados a permanecer na zona de trânsito internacional do aeroporto, aguardando resposta aos seus pedidos de asilo.

O aeroporto mais visado é Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo. Até a última quarta-feira (21), havia 481 passageiros em trânsito na área restrita do Aeroporto Internacional de Guarulhos. Segundo a PF, os pedidos de asilo saltaram de 69 em 2013 para 4.239 em 2023. A maioria dos requerentes, porém, deixou o Brasil pouco depois, antes mesmo de receber resposta aos seus pedidos.

“Desde o início de 2023, cidadãos de diversas nacionalidades passaram, em trânsito, pelo aeroporto de Guarulhos e deixaram de ir aos destinos finais para os quais adquiriram passagem aérea, citando diversos motivos para buscar refúgio no Brasil”, afirma o delegado federal Marinho da Silva Rezende Júnior, coordenador-geral da Polícia Migratória da PF, em ofício enviado ao Ministério da Justiça pouco antes de o governo federal anunciar as novas regras.

Segundo o ministério, as novas regras não representam uma mudança na política brasileira de concessão de asilo. “Essa é uma situação muito específica, identificada pela Polícia Federal. O objetivo é manter uma migração justa, ordenada e segura”, informou o ministério.

Preocupação

Em nota, a Missão Paz, instituição filantrópica que oferece apoio e acolhimento a imigrantes e refugiados desde 1939, manifestou preocupação com a mudança nas regras para solicitação de asilo.

“Até o momento não é possível compreender claramente como estas novas regras serão aplicadas sem violar o direito de acesso ao pedido de asilo. Esse direito é garantido por tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário e por legislações nacionais alcançadas com base em amplo debate social”, sustenta a instituição, alertando que o Estado brasileiro deve evitar criminalizar quem chega ao país pedindo proteção.

“É fundamental que o Estado brasileiro enfrente esta realidade sem criminalizar as pessoas pelo ato de migrar e sem violar ou retroceder nas garantias consolidadas. Reforçamos que qualquer medida tomada deve estar sujeita ao controle social e à transparência nos processos para que graves violações de direitos humanos não sejam cometidas pelo Estado”, finalizou a Missão Paz.

O Instituto Adus, que desde outubro de 2010 promove a integração de refugiados e migrantes à sociedade brasileira, também manifestou preocupação com a decisão do governo federal de barrar a entrada de estrangeiros sem visto.

“Embora respeitemos a soberania do Brasil e o direito de regular suas fronteiras, enfatizamos que esta medida vai contra o princípio da proteção internacional dos refugiados, garantido pela Lei do Refúgio, e pelos tratados internacionais que o Brasil ratificou”, comentou o instituto, citando a Convenção de Genebra de 1951.

“A decisão de barrar a entrada de migrantes sem visto viola os princípios do não repulsão e do acolhimento humanitário, além de interferir na competência do Comité Nacional para os Refugiados para deliberar sobre o reconhecimento do estatuto de refugiado”, prossegue Adus, acrescentando que A Lei de Migrações prevê que, independentemente da forma de entrada em território nacional, é garantido ao migrante ou refugiado o direito à regularização migratória.

“Reconhecemos que a chegada de migrantes em grande número apresenta desafios logísticos e administrativos, especialmente num contexto em que faltam orientações claras sobre como acolhê-los e integrá-los. Contudo, é essencial que as decisões sejam tomadas de acordo com as obrigações legais e humanitárias do Brasil. Fechar as fronteiras aos migrantes sem visto pode, na prática, impedir o pedido de asilo por parte de indivíduos em situação vulnerável, que procuram abrigo no nosso país devido a conflitos, perseguições ou outras situações que ameacem a sua vida e dignidade”, conclui o instituto.