Ministros de tribunais superiores ganham cachê de até R$ 50 mil por hora em palestras

Ministros de tribunais superiores ganham cachê de até R$ 50 mil por hora em palestras


A realização de palestras de magistrados só é possível graças à flexibilização de regras no CNJ. (Foto: Divulgação)

Ministros dos tribunais superiores e juízes federais têm operado uma indústria de palestras e recebem até R$ 50 mil por uma hora de apresentação. A prática tem gerado ganhos financeiros extras para os magistrados, que estão entre os que recebem os maiores salários do serviço público do país.

Foram mapeados e recolhidos honorários recebidos por dez magistrados para discursar em 17 eventos realizados por entidades empresariais e órgãos públicos, no período de junho de 2021 a agosto deste ano. Os tribunais consideraram que a lei permite a atividade.

Na maioria dos casos levantados, os magistrados receberam pagamentos através de pessoas jurídicas. Na prática, a empresa ou entidade que promove a palestra paga para outra empresa que intermedia os valores, repassando-os aos ministros, o que reduz a arrecadação de impostos sobre as taxas.

Em muitas situações, o ministro que recebe os valores é sócio da empresa em questão, prática que se espalhou pela cúpula do Judiciário. Há também casos de pagamento feito diretamente ao palestrante.

Especialistas veem problemas na cobrança de honorários pelos magistrados. A primeira delas é o próprio pagamento aos juízes e possíveis conflitos de interesse. Em segundo lugar, há a falta de transparência sobre os montantes que os ministros ganham por estes serviços. Por fim, é problemático receber pagamentos através de empresas das quais os ministros são sócios, o que é proibido pela Constituição.

“Mesmo que (este trabalho) não fosse remunerado, há uma enorme questão de conflito de interesses real, objetivo e potencial porque estes eventos, em geral, servem de cobertura para lobbying. Isso é muito elementar”, avaliou o professor de direito constitucional Conrado Hubner Mendes, da Universidade de São Paulo (USP).

“Quando há remuneração, você acrescenta uma camada de problema. Quando não há transparência na remuneração, acrescenta-se uma segunda camada. Quando é feito por meio de pessoa jurídica, existe uma terceira camada e todas elas, obviamente, violam a Constituição”, afirmou.

Walter Maierovitch, jurista e juiz aposentado, corrobora a avaliação de que os juízes distorcem a lei ao equiparar palestras a atividades de ensino e ao receber pagamentos por essas atividades por meio de institutos privados. “Ele (juiz) não pode abrir negócio. E o que você faz com essas empresas de palestras é um negócio”, disse ele.

Mais de R$ 175 mil

Entre as principais empresas promotoras de eventos estão o Instituto Justiça e Cidadania (IJC), o Instituto de Estudos Jurídicos Aplicados (IEJA) e a Academia Brasileira de Formação e Pesquisa (ABFP) – esta última pagou valores superiores a R$ 175 mil a ministros em eventos . Procuradas, as empresas não responderam.

A Constituição Federal proíbe que os juízes exerçam qualquer outra atividade além de julgar e lecionar. A Lei Orgânica do Poder Judiciário (Loman), herdada da ditadura militar (1964-1985), permite que juízes, desembargadores e ministros exerçam atividades empresariais, desde que sejam cotistas.

A realização de palestras de magistrados só é possível graças à flexibilização de regras no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que em 2016, na presidência do atual ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, equiparou a prática à atividade de um professor – única atividade permitida pela Constituição aos ministros como “extras”, além de seus cargos nos tribunais.

As regras atuais do CNJ dispensam os ministros de reportar quaisquer valores recebidos de empresas privadas, que também não têm obrigação de publicar os pagamentos, o que significa que não há transparência sobre o real tamanho do mercado de negociações para juízes. A informação é da Terra.