Ministro do Superior Tribunal de Justiça diz que autismo é “problema” e que clínicas são “passeio na floresta”

Ministro do Superior Tribunal de Justiça diz que autismo é “problema” e que clínicas são “passeio na floresta”


A comparação da terapia com “caminhar na floresta” gerou polêmica.

Foto: Lucas Pricken/STJ

A comparação da terapia com “caminhar na floresta” gerou polêmica. (Foto: Lucas Pricken/STJ)

O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Antonio Saldanha afirmou em evento nesta sexta-feira (22), em São Paulo, que o Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um “problema” e que clínicas especializadas em tratamento promovem “caminhada na floresta” para crianças.

“Para os pais é reconfortante saber que seu filho, que tem algum problema, vai passar de 6 a 8 horas por dia em uma clínica especializada, caminhando na mata. Mas isso custa”, disse Saldanha durante o Fórum Nacional do Poder Judiciário da Saúde.

A comparação da terapia com “caminhar na floresta” gerou polêmica. A advogada Aline Plentz, que esteve no evento, coordena um grupo que luta pelos direitos dos autistas na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em Jabaquara (SP). Ela tem um filho de 9 anos e, aos três, descobriu o distúrbio.

“Como mãe de um autista, me senti completamente ofendida. Não é triste, como ele disse, ter uma pessoa com deficiência na família. É triste termos um ministro nos representando e termos um discurso tão infeliz como esse. Ele até usou advogados como se estivessem fazendo lei predatória para judicializar processos de encomenda de medicamentos”, disse.

A procuradora do Amapá, Fábia Nilci Santana de Souza, também criticou a fala de Saldanha.

“O discurso foi muito infeliz quando referiu que, para os pais, era muito conveniente mandar os filhos para uma clínica, para ficarem 6 ou 8 horas. Tenho um filho autista de 17 anos, ele sofre por causa disso, a família sofre. E não existe família feliz quando tem um filho com transtorno que sofre discriminação, sofre exclusão. E é por isso que me senti ofendida”, disse ela.

Durante a palestra, transmitida pelo canal do YouTube do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o ministro também criticou a Lei Romário.

“Essa Lei 14.454, chamada de Lei Romário, porque o Senador Romário foi nomeado relator. Não por acaso, mas ele tem um filho com problemas cognitivos, uma filha, não sei exatamente… É uma lei que foi introduzida, não fala de medicina baseada em evidências, diz o seguinte: se um chega relatório técnico, tem que ser concedido [tratamento]. E aí começaram a proliferar, que eram basicamente voltados para pessoas com problemas de cognição”, afirmou o ministro do STJ.

A lei citada pelo ministro estabeleceu critérios para que os beneficiários de planos de saúde tenham o direito de solicitar cobertura para alguns procedimentos que não constam na lista da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

Saldanha disse ainda que “qualquer pessoa” pode ter “fator autismo”. “Então, crianças que estão no espectro, Transtorno do Espectro do Autismo, que é um amplo espectro, o autismo pode ser, qualquer um de nós pode ter um fator de autismo, qualquer um de nós, eu acredito, deveria ter também, mas é um enorme clínicas de espectro e autismo começaram a surgir.”

Definição de autismo

Segundo informações do Ministério da Saúde, o Autismo (Transtorno do Espectro Autista – TEA) é um problema no desenvolvimento neurológico que prejudica a organização de pensamentos, sentimentos e emoções. Suas características incluem dificuldade de comunicação por falta de domínio da linguagem e uso da imaginação, dificuldade de socialização e comportamento limitado e repetitivo.

Os sinais de alerta aparecem nos primeiros meses de vida, mas o diagnóstico costuma ser confirmado aos dois ou três anos de idade. Os sinais mais comuns de TEA são:

– Apresentar atraso anormal na fala;
– Não responder quando chamado e demonstrar desinteresse pelas pessoas e objetos ao redor;
– Ter dificuldade em participar de atividades e jogos em grupo, preferindo sempre fazer as tarefas sozinho;
– Não conseguir interpretar gestos e expressões faciais;
– Ter dificuldade em combinar palavras em frases ou repetir frequentemente a mesma frase ou palavra;
– Falta de filtro social (sinceridade excessiva);
– Sentir-se desconfortável em ambientes e situações sociais;
– Ser seletivo em relação ao cheiro, sabor e textura dos alimentos;
– Apresentar movimentos repetitivos e inusitados, como balançar o corpo para frente e para trás, bater as mãos, coçar algumas partes do corpo (como orelhas, olhos e nariz), virar-se, pular bruscamente, reorganizar objetos em fileiras ou em cores;
– Demonstrar interesse obsessivo por assuntos considerados inusitados ou excêntricos, como biologia, paleontologia, tecnologia, datas, números, entre outros;
– Ter problemas gastrointestinais causados ​​pela ansiedade.

Além disso, alguns autistas podem manifestar acessos de raiva, hiperatividade, passividade, déficit de atenção, dificuldades em lidar com ruídos, falta de empatia em determinadas situações e aumento ou redução na resposta à dor e à temperatura.

De acordo com a forma como aparece, o TEA pode ser classificado em três tipos:

– Autismo clássico: o grau de comprometimento pode variar muito. Em geral, os indivíduos estão focados em si mesmos, não estabelecem contato visual com as pessoas ou com o ambiente; Eles podem falar, mas não usam a fala como ferramenta de comunicação. Embora consigam compreender afirmações simples, têm dificuldade em compreender e captar apenas o significado exato das palavras, não compreendendo duplos sentidos ou comparações.

Nas formas mais graves, não demonstram nenhum contato interpessoal. São crianças isoladas, que não aprendem a falar, não olham nos olhos das outras pessoas, não sorriem de volta, repetem movimentos sem muito sentido ou ficam girando sobre si mesmas e apresentam deficiências mentais significativas.

– Autismo de alto funcionamento (também chamado de síndrome de Asperger): Pessoas com autismo têm as mesmas dificuldades que outras pessoas autistas, mas em grau muito reduzido. São falantes e inteligentes, podendo até ser confundidos com gênios, pois são invencíveis nas áreas do conhecimento em que se especializam. Quanto menor a dificuldade de interação social, mais eles conseguem levar uma vida próxima do normal.

– Transtorno invasivo do desenvolvimento sem outra especificação (DGD-NOS): Os indivíduos são considerados dentro do espectro do autismo, com dificuldade de comunicação e interação social, mas os sintomas não são suficientes para incluí-los em nenhuma das categorias específicas do transtorno, o que torna diagnóstico muito mais difícil.

Atualmente, pensa-se que existem múltiplas causas para o autismo, incluindo fatores genéticos, biológicos e ambientais. Porém, saber o que acontece com o cérebro dessas pessoas ainda é um mistério para a ciência.

O TEA ainda não tem cura e cada paciente necessita de um acompanhamento específico e individualizado que exige a participação dos pais, familiares e de uma equipe de diferentes profissionais, como médicos, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, psicólogos e pedagogos, a fim de estimular o indivíduo realizar tarefas diárias sozinho, desenvolver formas de comunicação social e ter maior estabilidade emocional.