Lula seguiu a prática do antecessor, Bolsonaro, de dar ao Congresso a prerrogativa de indicar nomes para as diretorias das agências reguladoras

Lula seguiu a prática do antecessor, Bolsonaro, de dar ao Congresso a prerrogativa de indicar nomes para as diretorias das agências reguladoras


Ao negociar a escolha dos diretores com o senador Davi Alcolumbre, ele abala a independência essencial ao sucesso do modelo. (Foto: Reprodução)

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva seguiu a prática de seu antecessor, Jair Bolsonaro, de dar ao Congresso a prerrogativa de indicar nomes para os conselhos das agências reguladoras. Para homenagear o senador Davi Alcolumbre (União-AP), favorito para comandar o Senado a partir de fevereiro, o governo antecipou a negociação das indicações. São 17 vagas para preencher e mais dez serão abertas em 2025. Com a decisão, Lula tenta melhorar o relacionamento com o Parlamento, mas os efeitos da tentativa de pacificação política serão prejudiciais.

As agências foram criadas na década de 90, na esteira da reforma do Estado durante os governos de Fernando Henrique Cardoso. Privatizações, concessões e parcerias entre os setores público e privado exigiram independência nas instituições reguladoras, tanto em relação aos interesses governamentais como empresariais. Dotados de mandatos fixos que não coincidem com o calendário eleitoral, os diretores das agências têm a missão de garantir a estabilidade nas regras de todos os mercados, especialmente para os consumidores. Têm de garantir que os contratos, muitos deles de longo prazo e que envolvem milhares de milhões de dólares, sejam cumpridos, independentemente de quem esteja no poder. Não foi surpresa que os investimentos e as chances de sucesso das políticas públicas aumentaram, desencorajando a prática de começar tudo do zero a cada quatro anos.

Num momento em que o Executivo tinha mais poder para obter apoio no Congresso, os ministérios faziam a maior parte das indicações ao Senado, responsável pelas aprovações. Como argumentou o jurista Caio Mário da Silva Pereira Neto, da Faculdade de Direito da FGV-SP, em matéria do jornal O Globo, critérios técnicos prevaleceram na maioria das escolhas. Desde o início houve tentativas de aliciamento, pressão por decisões, descaso com assessoria técnica e falta de pessoal substituto. Com a alternância de poder do PSDB para o PT, o perfil dos indicados mudou, mas não houve surpresas. Em essência, o modelo provou ser vitorioso.

É por esse bom histórico que preocupa o evidente desgaste nas negociações entre Lula e Alcolumbre. A lógica das nomeações dos parlamentares é contrária à independência exigida pelos cargos. Não se trata de acomodar aliados, premiar amigos ou agradar empresas interessadas. Para que as agências tenham chances mínimas de exercer sua função, as escolhas devem seguir critérios técnicos. Nos currículos é a trajetória profissional que precisa ser destacada e não a proximidade com a política ou lobbies. Sem corrigir o rumo, as agências tornar-se-ão idênticas aos órgãos governamentais, contradizendo a suposição de autonomia.

Quem mais perde com o enfraquecimento são os consumidores. As causas dos repetidos apagões elétricos em São Paulo estão no desmantelamento da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). A força de trabalho é hoje inferior à de há dez anos (558 em 2024, em comparação com 730 em 2014). No sector da saúde, as actualizações da regulamentação dos preços dos medicamentos continuam a um ritmo lento. Na realidade, as agências carecem de técnicos e diretores competentes. Há muito descaso na reposição de vagas e nomeações políticas. Nas negociações entre Lula e Alcolumbre falta o tema principal: a necessidade de resgatar o papel das agências como instituição do Estado. É preciso mudar os critérios de escolha de diretores e recompor o corpo técnico. (Opinião/Jornal O Globo)