Justiça: ocultação de prova em desaparecimentos tratados como homicídios

Justiça: ocultação de prova em desaparecimentos tratados como homicídios


Um desaparecimento sem deixar vestígios, a suspeita quase certa de homicídio, a ocultação do corpo e as condições necessárias para uma condenação. Sem apoio no Brasil, a expressão “sem corpo, sem crime” não impediu que três homens fossem condenados, em dezembro de 2023, a mais de 150 anos de prisão pela morte do empreiteiro Daniel Carvalho da Silva, de 31 anos, desaparecido desde Outubro do ano passado. O mesmo aconteceu em 2021, quando quatro homens foram condenados pela morte dos amigos Leomar Lima de Souza e Lindolfo Romualdo dos Santos, desaparecidos em 2013. Mesmo sem os corpos, a polícia conseguiu reunir provas suficientes para levar os sete acusados ​​ao Complexo Penitenciário da Papuda.

No Distrito Federal, pelo menos cinco casos de desaparecimentos são tratados como homicídios. A Coordenadoria de Repressão a Homicídios e Proteção Individual (CHPP) é responsável por investigar e elucidar homicídios e desaparecimentos não solucionados (após 180 dias) nas delegacias distritais. O Correio ouviu magistrados, delegados especializados em sequestros e homicídios e procuradores que explicaram as estratégias e critérios de análise em situações semelhantes ao caso do goleiro Bruno Fernandes, condenado a 22 anos de prisão por triplo homicídio, sequestro e prisão de Eliza Samudio, em Minas Gerais. . Desde 2010, ano em que ocorreu o crime, o corpo da ex-modelo nunca foi encontrado.

Para evitar a impunidade, a legislação brasileira determina a condenação por homicídio mesmo quando não há corpo. Para provar a culpa do réu, a promotoria utiliza como meio provas indiretas: testemunhas-chave, vestígios, como sangue e qualquer tipo de material genético, além de imagens de câmeras de segurança. Foram esses sinais que levaram à prisão Rinaldo Márcio de Oliveira, Benevaldo Barbosa Novais e Édson Barbosa, condenados pela morte do empreiteiro Daniel.

O empresário Daniel Carvalho saiu de casa para ir ao Centro de Evangelização Renascer, em Pentecostes, onde participou do culto. As imagens registradas na época, em 26 de outubro de 2022, ajudaram a Polícia Civil a investigar o caso, já que os criminosos simularam um acidente de carro e capturaram o empreiteiro no local. Graças às investigações, baseadas em imagens, depoimentos e, posteriormente, registros bancários, a polícia chegou a três suspeitos. Meses depois, foram levados a julgamento e condenados por homicídio qualificado, extorsão e ocultação de cadáver. A sentença do juiz Joel Rodrigues Chaves Neto considerou os três homens culpados e os sentenciou.

“O tempo é nosso aliado. Quanto mais rápido, melhor para a coleta de provas. Se demorar, também temos um benefício. Por exemplo, a testemunha, que no início não fala por medo, depois de passado esse tempo, pode não ter mais medo do autor e decidir falar sobre o que ele sabe sobre a morte, mas o ideal é que o trabalho comece imediatamente, pois podemos obter câmeras de segurança e imagens cruciais para as investigações. Esses vídeos geralmente ficam armazenados por alguns dias”. , ele destaca. delegado Leandro Ritt, chefe da Delegacia de Repressão a Sequestros (DRS).

O serviço de localização de pessoas desaparecidas tem como objetivo verificar atentamente as ocorrências, buscando detalhes, mesmo que mínimos, que levem a suspeitos. A tática também serve para identificar as atividades dos serial killers. Segundo o delegado, em geral, os desaparecimentos de pessoas não estão associados a crimes. “Em 99% das situações não são crimes. Agora, por exemplo, um homem de família, que tem uma rotina cronometrada de levar e buscar o filho na escola ou que não está habituado a faltar ao trabalho, se essa pessoa desaparecer do nada, pode haver algo estranho”, argumenta.

A promotora Ana Laura Seixas Dias, da Promotoria Criminal de Samambaia, foi a responsável pela investigação da empreiteira. Ela destaca que, no caso em questão, as provas colhidas foram suficientes para condenar os culpados: imagens que mostram o acusado seguindo o veículo da vítima; testemunhas que viram, menos de 10 minutos após a saída do empreiteiro da igreja, um dos arguidos no seu camião; o sangue da vítima em um dos carros do acusado; além de dinheiro depositado em contas de terceiros.

“Não são raros os crimes em que o corpo da vítima não é encontrado. Para citar apenas aqueles que repercutiram, temos o caso do Amarildo e do goleiro Bruno. área, onde os homicídios não são processados, essa situação é mais rara (crimes de roubo e extorsão que resultam em morte, por exemplo, nos sete anos que estou neste Ministério Público, esta foi a primeira vez”, aponta o procurador .

Crime no milharal

Os amigos Leomar Lima de Souza e Lindolfo Romualdo dos Santos decidiram assaltar uma casa no Paranoá. Mas a operação terminou pior do que o planejado. Eles desapareceram e a PCDF conseguiu a condenação de quatro homens pelo sequestro e assassinato dos dois, em 2013. Os corpos nunca foram encontrados, mas as investigações indicam que o crime ocorreu em um milharal próximo ao Café sem Troco.

Na altura, a investigação policial também foi realizada pela DRS e os autores foram revelados com a ajuda de uma testemunha chave. O Correio teve acesso aos relatórios e sentença do caso que levou à condenação de Eduardo Gornélio Mendes, Ítalo Santos de Moraes, Erasmo Mendes e Josué de Almeida, que se uniram para matar a dupla.

Dias antes do crime, a testemunha revelou que Leomar e Lindolfo roubaram notebooks e aparelhos eletrônicos de uma casa que, segundo a polícia, era usada pelo quarteto para guardar objetos furtados, no Paranoá. Ao saber do crime, Ítalo saiu de São Sebastião e foi ao Café Sem Troco para “investigar” a situação. Horas depois, voltou para São Sebastião com as roupas manchadas de sangue.

O julgamento dos quatro arguidos só ocorreu em 2021, oito anos depois do crime. A riqueza de detalhes repassados ​​pelas testemunhas não deixou dúvidas sobre o assassinato. Ítalo e os três homens decidiram sair para recuperar os bens roubados e foram ao encontro da dupla.

Para a condenação, o Tribunal considerou o relato lógico dos fatos apresentados pelas testemunhas, aliado à quantidade de detalhes.

Visual diferenciado

Ao Correio, o desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) Eduardo Cambi detalhou como essas situações são tratadas no Judiciário. Ele destacou que as condenações por homicídio sem corpo devem ser analisadas e julgadas com cautela, para evitar que um inocente seja condenado. Mas alerta: os sinais não podem, em hipótese alguma, ser ignorados.

Segundo o juiz, há casos muito específicos em que é possível deduzir que a vítima desaparecida foi assassinada. “Uma mulher é vítima de violência doméstica, quando o companheiro não aceita o fim do relacionamento. Ele acaba matando ela e o corpo não é localizado. Por outro lado, tem o vizinho que sabe que o agressor bateu no mulher, há boletins de ocorrência anteriores e medidas protetivas”, explica.

Uma mancha de sangue e um projétil deixado por arma de fogo no local, por exemplo, também podem servir como elementos para suspeitar de homicídio. “Num desaparecimento, quanto mais cedo for possível intervir, melhor. Os vestígios, com o tempo, vão desaparecendo e isso dificulta ao MP acusar e produzir provas em tribunal”, acrescentou.

Onde estão essas pessoas?

A empregada doméstica Gisvania Pereira dos Santos Silva, 33 anos, decidiu que passaria uma noite divertida em seu bar de costume, perto de sua casa, em Sobradinho I. Avisou a mãe e saiu de casa, levando apenas o celular, no dia 6 de outubro. 2018. Nunca mais foi visto. As próprias câmeras de segurança do bar filmaram a mulher se divertindo e dançando na companhia de outras pessoas. Horas depois, às 4h40, outras imagens capturaram Gisvania em um carro com um homem, em um posto de gasolina da região. Ela parece discutir com o menino.

Na época, a polícia aproveitou o depoimento do motorista, mas os investigadores descartaram sua participação no crime e constataram que ele saiu sozinho do local. Na polícia, o desaparecimento de Gisvania é tratado como homicídio. “Nos primeiros dias minha mãe já falou que tinham matado ela. Fiquei esperançosa, mas minha mãe sentiu e disse que ela não estava mais entre nós”, disse a irmã, Gislene Pereira.

Gislene Pereira aguarda ansiosamente notícias da irmã, desaparecida desde 2018

Kayo Magalhães/CB/DA Press

Ter esperança

Há mais de dois anos e seis meses, a aposentada Ana Cleide viu a filha, Sara, de 14 anos, sair de casa pela última vez, na manhã do dia 16 de janeiro de 2022, contando para a mãe que iria a um shopping em Taguatinga , mas ela nunca esteve lá. A polícia tem certeza de que algo aconteceu com o adolescente. Investigadores da 17ª DP (Taguatinga Norte) prenderam Jailton Silva dos Santos no ano passado por suposto envolvimento no desaparecimento. Meses antes do desaparecimento da menina, ele a estuprou, segundo documentos judiciais. Pelo abuso sexual, Jailton foi denunciado e condenado pela Justiça.

Sara saiu de casa pela última vez no dia 16 de janeiro de 2022 e, desde então, Cleide nunca mais teve notícias dela.

Sara saiu de casa pela última vez no dia 16 de janeiro de 2022 e, desde então, Cleide nunca mais teve notícias dela.

Kayo Magalhães/CB/DA Press

Sem pistas

O desaparecimento de Daniel Luís da Silva, 23 anos, mais conhecido como “Dadinho”, está prestes a completar seis meses. O caso agora é tratado como homicídio pela PCDF. Em fevereiro deste ano, investigadores da 35ª Delegacia de Polícia (Sobradinho 2) prenderam dois traficantes da região suspeitos de envolvimento no desaparecimento e morte da vítima. O mandado de prisão solicitado pela polícia ao Tribunal baseou-se nos fortes depoimentos colhidos.

Para o Correspondência, familiares contaram que, na noite do seu desaparecimento, por volta das 23h40, o jovem trocou as últimas mensagens pelo celular. Foi com um amigo e ele não parecia angustiado.



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