Governo Lula vota contra o direito ao aborto para crianças e adolescentes vítimas de violência sexual

Governo Lula vota contra o direito ao aborto para crianças e adolescentes vítimas de violência sexual


Documento regulamenta o atendimento humanizado às vítimas de violência sexual e orienta os casos em que há divergências com os responsáveis. (Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil)

O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, aprovou resolução que regulamenta o aborto legal em crianças e adolescentes. Na reunião extraordinária, 15 representantes da sociedade civil votaram a favor da medida, enquanto 13 membros do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva se posicionaram contra o texto. Nas redes sociais, a aprovação da resolução recebeu críticas de parlamentares de Bolsonaro, que já vinham se mobilizando contra a deliberação do conselho.

O documento visa garantir atendimento humanizado às vítimas com direito ao procedimento, conforme prevê a legislação brasileira, ou seja, nos casos de gravidez decorrente de violência sexual, que represente risco à vida da gestante e quando o feto apresentar anencefalia .

A resolução destaca que, identificada a situação de aborto legal e manifestado o desejo de interrupção da gravidez, a criança e o adolescente deverão ser encaminhados aos serviços de saúde pelo órgão do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA) para realização aborto.

“É um direito humano das crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, e está diretamente relacionado à proteção dos seus direitos à saúde, à vida e à integridade física e psicológica”, diz a minuta.

O documento também propõe diretrizes para evitar a revitimização de crianças e adolescentes, garantindo que a “manifestação de vontade” da gestante seja priorizada, mesmo em casos de desentendimento parental. Se a presença dos responsáveis ​​representar risco de “dano físico, mental ou social”, e se estes tiverem capacidade para tomar a decisão, o profissional deve garantir o processo de escuta e que sejam realizados quaisquer outros “tratamentos, devidamente consentidos”. sem impedimentos”.

Caso os responsáveis ​​estejam presentes e discordem, também deverão ser acolhidos, mas priorizando o desejo manifestado pelo menor. Caso a divergência persista, a recomendação é entrar em contato com a Defensoria Pública ou com o Ministério Público.

O governo Lula entendeu que a medida, com a redação atual, deveria ser regulamentada por lei aprovada pelo Congresso. Segundo o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), liderado pelo ministro Macaé Evaristo, representantes da administração federal questionaram os termos da resolução durante a assembleia e solicitaram pedido de revisão para uma análise mais detalhada da proposta.

O ministério solicitou parecer da assessoria jurídica do ministério, que “indicava, entre outros aspectos, que o projeto de resolução apresentava definições que só poderiam ser previstas em lei – a serem aprovadas pelo Congresso Nacional, indicando a necessidade de aprimoramento e revisão de o texto, garantindo maior alinhamento ao arcabouço jurídico brasileiro”. Apesar dos pedidos, o pedido de revisão apresentado foi rejeitado pelo plenário do Conanda e o texto foi aprovado.

Em nota, Nem Presa Nem Morta, campanha que defende a descriminalização do aborto no Brasil, e o Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, ONG que desenvolve trabalhos desde 1981 com foco na atenção primária à saúde da mulher, afirmaram que “a atitude de a aprovação da resolução pelo Governo foi embaraçosa.”

“Durante as discussões, tanto assessores da sociedade civil quanto do Governo Federal tiveram a oportunidade de apresentar propostas de alterações, supressões e acréscimos. Em nenhum momento foram levantadas preocupações sobre supostas ilegalidades e invasões de poderes por parte da resolução. A postura do Governo Federal foi pouco dialógica, focada na presença de assessores que nunca haviam comparecido a nenhuma outra reunião ou assembleia do Conanda, evidenciando o objetivo de somar votos contrários à resolução, sem a real intenção de contribuir para o aprimoramento do texto” , dizia a nota.

A Associação Nacional dos Juristas Evangélicos (Anajure) afirmou que “diversos assessores apontaram irregularidades no processo, cuja condução violou o regimento interno do Conanda”. “Os conselheiros destacaram também que a resolução extrapolou as competências normativas do órgão, estabelecendo obrigações para estados e municípios”, afirmou a associação.

Reações

Após a aprovação da resolução, parlamentares a favor e contra a regulamentação se manifestaram nas redes sociais. A deputada federal Carla Zambelli (PL) argumentou que o texto é “perverso, antidemocrático e anticientífico”. A deputada Sâmia Bomfim (PSOL) afirmou que a aprovação é “um passo importante para proteger crianças e adolescentes, garantindo seus direitos”.

O deputado federal Carlos Jordy (PL) informou que a oposição vai protocolar um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) para suspender a resolução, que classificou como “um absurdo pelo desgoverno de Lula”, apesar da oposição do governo à aprovação da medida.

O deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) já havia anunciado que entraria com pedido para que o ministro dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo, rejeitasse a resolução, ameaçando interpor mandado de segurança caso ela fosse aprovada. A deputada Julia Zanatta (PL-SC) apresentou projeto para alterar a lei que cria o Conanda, proibindo-o de discutir o tema aborto em crianças e adolescentes. O deputado Gustavo Gayer (PL-GO), por sua vez, apresentou um pedido de repúdio ao conselho. Os três parlamentares estão entre os principais apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no Congresso.