Governo Lula paga R$ 7 bilhões herdades do orçamento secreto de Bolsonaro

Governo Lula paga R$ 7 bilhões herdades do orçamento secreto de Bolsonaro


As transferências por meio de emendas parlamentares desrespeitam a decisão do Supremo Tribunal Federal, que declarou a prática inconstitucional. (Foto: STF/Divulgação)

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva pagou R$ 7 bilhões em emendas ao orçamento secreto deixado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) sem respeitar a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que declarou a prática inconstitucional e determinou transparência sobre os parlamentares que patrocinou os recursos.

A Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República afirmou que o governo cumpre a decisão do STF e que a Corte não proibiu o pagamento de emendas herdadas da gestão anterior. O Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional, que liderou os repasses, disse que as obras seriam paralisadas caso o dinheiro não fosse liberado. A pasta enviou um painel com informações incompletas sobre as transferências.

O orçamento secreto, revelado pelo Estadão, foi utilizado pelo governo Bolsonaro para transferir recursos em troca de apoio político no Congresso, sem dar transparência aos verdadeiros beneficiários do mecanismo. Houve compras com suspeita de superfaturamento e investigações oficiais que indicavam corrupção e lavagem de dinheiro.

Em dezembro de 2022, o Supremo Tribunal declarou o orçamento secreto inconstitucional. Na semana passada, o ministro Flávio Dino, do STF, publicou decisão afirmando que o governo Lula e o Congresso não comprovaram “integralmente” o cumprimento da decisão.

A mesma conclusão foi tirada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) ao analisar as contas presidenciais de 2023. A falta de transparência em relação aos parlamentares beneficiados e quais critérios são adotados para a divisão dos recursos são as principais questões, que ainda permanecem sem resposta no governo Lula.

O dinheiro liberado serve secretamente aos parlamentares recursos para asfalto, compra de tratores, kits de robótica, consultas de saúde, exames e outras obras e equipamentos nos redutos eleitorais dos parlamentares. Bolsonaro deixou de pagar R$ 15,5 bilhões do orçamento secreto que havia sido negociado com o Congresso durante o último governo. Até o momento, Lula pagou R$ 7 bilhões desse valor.

Sistemático

O STF não proibiu os pagamentos já liberados (penhorados, no jargão técnico), mas determinou que fosse dada total transparência no prazo de 90 dias com o nome dos padrinhos, para onde foi o dinheiro e para que se destinava, em além de remover qualquer ligação com as nomeações parlamentares e devolver o controlo total aos ministérios. O governo Lula, porém, continuou custeando as emendas sem atender a essas exigências. Além disso, aprovou o aumento de outros tipos de emendas que repetem o mesmo sistema, como a emenda Pix e emendas de comissão.

“A decisão do STF não foi cumprida exatamente nos seus principais aspectos. O pagamento de R$ 7 bilhões em 2023 e 2024, sem transparência, continuando a favorecer alguns parlamentares em detrimento de outros, deu continuidade ao ‘tratamento’ e distorceu a decisão do STF”, afirmou o secretário-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco , uma das instituições que ingressou no Supremo questionando a continuidade do esquema.

De todo o valor pago em 2023 e 2024, R$ 4,1 bilhões vieram do Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional, R$ 853,6 milhões da Agricultura, R$ 555 milhões da Saúde e R$ 486 milhões do Ministério do Desenvolvimento Social – outros órgãos pagaram o restante . O Ministério do Desenvolvimento Regional foi para onde passou grande parte do orçamento secreto. Dentro dela está a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), controlada pelo Centrão.

‘”Riscos”

“Existem muitos riscos de corrupção com essa indicação sem que a sociedade saiba quem é o solicitante, quem é o beneficiário ou ambos. Os recursos que ainda não foram liberados também precisam respeitar o procedimento que o STF impôs em 2022. A decisão não fica apenas para registro histórico”, afirmou o gerente de Pesquisa da Transparency International no Brasil, Guilherme France. A instituição também é autora da pergunta que levou à decisão do ministro Flávio Dino.

O governo Lula não apenas pagou os recursos das obras que estavam em andamento, mas também aprovou projetos que não haviam sido realizados durante o governo Bolsonaro. Em outras palavras, ele tomou a decisão de prosseguir com o orçamento secreto. Em janeiro de 2023, o petista assinou um decreto bloqueando todos os repasses acima de R$ 1 milhão para obras e projetos que ainda não haviam sido executados, mas os recursos foram liberados posteriormente.

Seguindo decisão do STF, em dezembro de 2022, a Advocacia-Geral da União (AGU) determinou que todos os órgãos do governo federal publicassem dados relativos a serviços, obras e compras realizadas com recursos orçamentários, bem como a identificação dos parlamentares que patrocinaram as emendas “de forma acessível, clara e confiável.” Agora, Dino marcou audiência de conciliação para discutir o cumprimento da decisão no dia 1º de agosto.