Governo fala em soberania digital ao propor tecnologia própria de Inteligência Artificial

Governo fala em soberania digital ao propor tecnologia própria de Inteligência Artificial


Presidente Lula exibe documento de propostas para o plano nacional de IA. (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

O Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA), denominado IA para o Bem de Todos e apresentado ao governo federal pelo Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT), coloca a inteligência artificial (IA) como passo fundamental para que o país alavanque áreas como como economia, saúde, educação e meio ambiente. O domínio nacional dessa tecnologia, diz o documento, pode ajudar o Brasil a alcançar a soberania digital.

O PBIA estipula que o Brasil deve desenvolver sua própria tecnologia de IA, desde a estruturação dos bancos de dados utilizados para treinar máquinas até o desenvolvimento de data centers nacionais e um supercomputador. O plano espera tornar o país mais independente de tecnologias estrangeiras, atualmente provenientes principalmente dos EUA.

O conceito de soberania digital tem sido utilizado pela União Europeia e por países como China, Chile e Rússia, além do Brasil, para serviços de infraestrutura considerados críticos para o desenvolvimento de uma nação.

Um exemplo recente disso foi o colapso da CrowdStrike, uma empresa americana de segurança cibernética que teve que consertar às pressas uma atualização defeituosa que paralisou instantaneamente 8,5 milhões de computadores Windows em todo o mundo – hospitais tiveram que suspender cirurgias, aeroportos cancelaram voos e bancos não puderam operar.

“O Plano IA (no Brasil) tenta compensar o problema da infraestrutura física digital, promovendo investimentos em data centers, e investimento na formação de profissionais de tecnologia”, afirma Jaqueline Trevisan Pigatto, coordenadora de governança e regulação da organização Data Privacy Brasil .

Nuvem

Um dos aspectos do PBIA é a criação de uma nuvem brasileira, na qual informações essenciais e sensíveis dos cidadãos brasileiros possam ser armazenadas e processadas em uma estrutura física no território nacional. Atualmente, os dados do sistema governamental (gov.br) são alocados na Amazon Web Services (AWS), serviço em nuvem da Amazon.

Para o advogado Luca Belli, professor de Direito da Fundação Getulio Vargas do Rio (FGV-Rio), estruturar um serviço nacional de nuvem “é um caminho lento, mas não impossível”. Ele ressalta que, quando se fala em soberania digital, não se trata de isolar-se tecnologicamente, mas sim de criar escolhas.

“Criar uma nuvem brasileira é uma demanda mais do que justa”, afirma Belli, coordenador do CyberBrics, centro de pesquisa da FGV que estuda políticas de segurança cibernética com foco nos países do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). “Não é como fechar fronteiras ou proibir o uso de AWS, Microsoft Azure e Google Cloud (as três maiores empresas de nuvem do mundo), mas sim dizer que existem alternativas.”

Juntas, essas três corporações americanas detêm mais de 60% do mercado global de nuvem, segundo dados da consultoria Synergy Research Group.

Espionagem

A soberania digital não é uma questão nova no Brasil. Mas o conceito ganhou força em 2013, quando o norte-americano Edward Snowden revelou, através de documentos vazados, que a agência de segurança nacional dos EUA utilizava estruturas de telefone e internet para espionar países, inclusive aliados como o Brasil.

Jaqueline Pigatto, da Data Privacy Brasil, afirma que o escândalo tornou o país um dos pioneiros na legislação sobre direitos digitais. Primeiro, com o Marco Civil da Internet, de 2014. Depois, com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), de 2018. E, agora, com as discussões sobre a regulamentação da IA ​​no Congresso.

Além disso, o Pix, sistema de pagamentos instantâneos implementado em 2020, é um exemplo “fantástico” de soberania digital no Brasil, afirma Luca Belli, da FGV. “Antes, o Brasil era refém da Visa e da Mastercard para pagamentos digitais, processados ​​por duas empresas estrangeiras. Eles tinham o duopólio de coleta de dados de indivíduos e de todas as empresas que vendem qualquer produto. O Pix destruiu essas empresas? Não. Mas criou alternativas.”

Belli acrescenta, porém, que implementar softwares, como o Pix, é mais simples do que investir em data centers ou em um supercomputador, que exige capacidade técnica de hardware. E que outras ações de soberania digital devem ser observadas, como gestão de dados, criação de algoritmos próprios, conectividade, capacidade computacional, energia elétrica, segurança cibernética e treinamento e regulação de riscos. “A lei por si só é inútil. Precisa ser acompanhado de todos os elementos que compõem a soberania digital. Caso contrário, pode ser apenas uma fachada.”