Freio no crédito: a valorização do dólar pode fazer o Banco Central subir os juros, dizem analistas

Freio no crédito: a valorização do dólar pode fazer o Banco Central subir os juros, dizem analistas


A dinâmica do consumo é marcada por três fatores: emprego e rendimento no mercado de trabalho, crédito e inflação. (Foto: Reprodução)

A manutenção da taxa básica de juros (Selic) do Banco Central (BC) em 10,5%, na última quarta-feira (31), a segunda consecutiva, deve produzir aperto no crédito, num momento em que os empréstimos fecharam o primeiro semestre crescendo quase 10% ao longo de 2023. A alta de 15% do dólar desde o início do ano, com a moeda chegando a R$ 5,79 na abertura do mercado na sexta-feira (2), é mais um freio ao crédito. A cotação fechou em R$ 5,70, refletindo o aumento da taxa de desemprego nos EUA, o que pode indicar um corte mais precoce nas taxas de juros americanas.

Economistas do Santander e do UBS já começam a ver uma chance de a Taxa Selic voltar a subir devido a esta recente valorização da moeda americana. Em relatório, o banco suíço UBS calcula que há 30% de chance de aumento das taxas em setembro. Em entrevista à Bloomberg, o analista do Santander Marco Antonio Caruso disse que, se o câmbio atingir o patamar entre R$ 5,75 e R$ 5,80, o BC será obrigado a aumentar os juros.

Esse quadro é bem diferente do primeiro semestre, quando o BC ainda cortava os juros, que caíram de 13,75% ao ano em agosto de 2023 para 10,5% agora. Impulsionado pela queda nas taxas para tomadores finais e alguma melhora nos níveis de endividamento, o saldo das operações de crédito aumentou 9,9% em 12 meses em junho, informou o BC na semana passada.

Em janeiro, o aumento foi de 7,7%, na mesma comparação, sinalizando aceleração do crescimento no primeiro semestre. E foi um dos elementos responsáveis ​​pelo aumento da procura interna no primeiro semestre, sobretudo do consumo familiar.

Ao considerar as concessões de crédito, houve aumento de 9,3% no acumulado de 12 meses, com aumento de 7,3% nas operações empresariais e de 11% nas operações familiares. Considerando apenas o “crédito livre”, que não segue condições específicas determinadas por lei, o salto nesta base de comparação até junho foi de 6,6% para empresas e de 16,5% para famílias.

Adiantamento de Renda

Agora, com a perspectiva de que as taxas de juro se mantenham estáveis ​​no segundo semestre ou até subam, os economistas esperam um ritmo igual ou mais lento no aumento das concessões, o que deverá arrefecer a procura. Esse ritmo mais lento deverá compensar o mercado de trabalho, que continua surpreendendo positivamente, com geração de empregos e aumento de renda.

Fábio Bentes, economista sênior da Confederação Nacional do Comércio (CNC), estima que as taxas médias de juros para os tomadores finais continuarão caindo, mas em um ritmo muito mais lento do que o visto até agora.

Em junho, a taxa média para pessoas físicas com recursos livres – usada pelos economistas como referência para as taxas de juros praticadas pela maioria das pessoas – era de 51,7% ao ano. É muito, mas está abaixo dos 54,2% de dezembro e dos 59,1% de junho de 2023. Para as empresas, a média foi de 20,9% em junho, ante 22,8% um ano antes.

Bentes estima que ainda haverá alguma queda nessa taxa média de pessoas físicas até dezembro, para cerca de 49% ao ano. “É um cenário mais positivo? É, mas não creio que seja suficiente para acelerar as vendas no varejo. Diante de um cenário de inflação alimentar mais elevada e taxas de juros com queda muito suave, é mais fácil rever o desempenho do varejo para baixo do que para cima.”

Segundo o economista da CNC, a dinâmica do consumo é marcada por três fatores: emprego e renda no mercado de trabalho, crédito e inflação.

Além da desaceleração do crédito esperada para este segundo semestre, o alívio da inflação também parece ter ficado para trás, lembra Bentes. Mesmo que os principais preços da economia não voltem a subir muito, o efeito do preço mais barato de alguns produtos e serviços, que poderia abrir espaço para as famílias aumentarem o consumo, estaria perto de acabar.

Para a economista Anna Carolina Gouveia, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), ainda existem obstáculos, que aparecem no Índice de Confiança do Consumidor (ICC), calculado pela entidade. Ela chama a atenção para o subíndice que mede a percepção dos consumidores sobre sua situação financeira atual, que ficou em 71 pontos em julho. Estão quase 30 pontos abaixo do nível de neutralidade (100 pontos) e também abaixo do ICC agregado, que ficou em 92,9 pontos em julho.