BRASÍLIA DF – As Forças Armadas permitirão – pela primeira vez na história – que mulheres participem do alistamento militar para ingressar na carreira de soldado.
A decisão foi tomada pelo ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, em conversa com comandantes militares. A previsão é que as mulheres ingressem nas fileiras das Forças em 2026.
“Nesse assunto o Brasil deve muito. E não é pela enfermagem e pelo trabalho administrativo, é pela entrada de mulheres na infantaria. Queremos mulheres armadas até os dentes”, disse Múcio ao jornal “Folha de S.Paulo”.
Atualmente, as mulheres já estão autorizadas a ingressar nas Forças Armadas por outros meios, como nas escolas que preparam oficiais. A participação feminina, porém, é limitada – só a Marinha permite que elas atuem em áreas mais combativas, a dos fuzileiros navais.
O alistamento feminino será voluntário e, segundo os planos da Defesa, deverá ser permitido às mulheres que completarem 18 anos em 2025. O modelo é semelhante ao serviço militar masculino, mas no caso delas sem obrigatoriedade de apresentação às Forças.
Apesar do acordo entre todos os chefes militares, há divergências sobre o número de vagas que devem ser reservadas às mulheres – divergência que será levada à decisão de Múcio.
O ministro da Defesa havia determinado que as vagas reservadas às mulheres aumentariam gradativamente até atingir 20% das cerca de 85 mil pessoas que anualmente ingressam no serviço militar.
A maior parte das vagas está destinada ao Exército (75 mil), seguido pela Aeronáutica (7 mil) e pela Marinha (3 mil).
O Alto Comando do Exército discutiu a proposta de inclusão de mulheres no alistamento militar em sua última reunião, entre os dias 13 e 17 de maio. Os 16 generais da cúpula da Força participaram da reunião.
Segundo reportagens feitas ao jornal, na ocasião foram apresentados os resultados de estudos do Estado-Maior do Exército. Eles sugerem que sejam abertas de 1.000 a 2.000 vagas para mulheres em 2025, com prioridade para áreas onde há presença feminina, como hospitais, escolas e bases administrativas.
O plano interno é aumentar gradativamente as vagas até chegar a 5 mil – número menor que o apresentado por Múcio, já que os 20% representam 15 mil vagas no Exército.
A justificativa interna é que não é possível saber quantas mulheres buscarão o alistamento militar. Também é necessário adequar as instalações para a chegada das mulheres, com separação de quartos e adaptação de banheiros.
Os dados ainda não foram apresentados ao ministro. “Acho que 1 mil não é suficiente. Vou pedir um cronograma, para ver quantos anos serão necessários para chegar a 20%”, disse Múcio.
O serviço militar tem a duração de 12 meses, prorrogáveis até ao limite de 96 meses. O jovem ingressa como soldado e, com o tempo máximo permitido, pode deixar a Força como 3º sargento.
Igualdade questionada
A professora Adriana Marques, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), avalia que a inclusão de mulheres no serviço militar, via alistamento, não é a abordagem correta para “buscar a igualdade de gênero nas Forças Armadas”.
“Só conseguiremos garantir a igualdade de género nas Forças Armadas quando as mulheres puderem ingressar nas armas de combate. O que elas estão a fazer é demagogia”, afirma.
Adriana critica o Serviço Militar Obrigatório porque ele não forma militares profissionais. Os alistados geralmente passam um ano em unidades militares e não desempenham funções relacionadas à defesa nacional, como limpeza de quartéis.
“Este padrão de serviço militar obrigatório, onde passam um ano, […] eles não vão formar uma carreira.”
A Procuradoria-Geral da República (PGR) moveu três ações no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo que as barreiras impostas pelas Forças Armadas à participação feminina sejam consideradas inconstitucionais.
O Ministério Público pede que as mulheres possam exercer todas as funções (no jargão militar chamadas de armas) sem restrições de vagas e com livre concorrência.
O governo Lula (PT) se posicionou contra o fim das restrições. Em um dos documentos que sustentaram a posição do Executivo, o Exército afirmou que a inclusão de mulheres em determinadas funções poderia comprometer o desempenho militar em situação de combate por causa da “fisiologia feminina”.
“É preciso reconhecer que a fisiologia feminina, refletida na execução de tarefas específicas na zona de combate, pode comprometer o desempenho militar nas operações de combate, dependendo do ambiente operacional”, diz trecho do documento do Exército.
A Marinha foi a primeira das Forças a abrir suas fileiras para mulheres, em 1980. As primeiras inscrições femininas para o curso de marinha, porém, só ocorreram no ano passado.
As mulheres ocupam 8.420 dos cerca de 75 mil cargos ativos da Marinha – um total de 11%, segundo dados do início do ano.
Na Força Aérea, as mulheres representam pouco mais de 20% da força de trabalho (14.118 mulheres de um total de 67.605 militares) e estão impedidas de ingressar na infantaria – arma responsável pelo combate a pé.
O Exército permite o ingresso de mulheres em suas fileiras desde 1992. A participação feminina, porém, pouco avançou: elas representam apenas 6% do efetivo da Força Terrestre – 3.017 em um universo de mais de 212 mil militares na ativa.
As mulheres não podem ingressar nas armas consideradas mais combativas do Exército: cavalaria, infantaria, artilharia e engenharia.
Os soldados que entram nessas funções são responsáveis por ocupar a linha de frente nas batalhas, trazer armas e armaduras para o confronto, ou apoiar ações com canhões e construir pontes improvisadas.
José Múcio diz que o plano de inclusão feminina amadureceu ao longo deste ano, enquanto as Forças eram alvos de ações no STF. A ministra também visitou vários países e conheceu a realidade da participação feminina em exércitos estrangeiros.
“No Chile há um número muito elevado de mulheres”, disse a ministra. Múcio visitou o país em abril e conversou com a ministra da Defesa do Chile, Maya Fernández Allende – neta de Salvador Allende, presidente do Chile deposto e assassinado antes da ditadura militar de Augusto Pinochet.
O ministro também conheceu a realidade em Portugal. Em entrevista à Folha de S.Paulo, a ex-ministra da Defesa portuguesa Helena Carreiras disse que as Forças Armadas devem eliminar as restrições às mulheres para não se tornarem “monolíticas”.
“Organizações que não aceitam a diversidade, que são monolíticas, são instituições que murcharão, que não compreenderão e não enfrentarão os desafios da complexidade das tarefas que temos pela frente.”
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