‘Fogo chegou antes da hora. É assustador’: a luta para enfrentar incêndios no Pantanal

‘Fogo chegou antes da hora. É assustador’: a luta para enfrentar incêndios no Pantanal


Inesperado e assustador. É assim que as pessoas que vivem ou trabalham na região Pantanal definiram o incêndios no bioma em meados de junho, período em que historicamente não há tanto fogo no bioma.

“Não esperávamos o incêndio, que chegou muito antes do previsto. É assustador”, diz Ângelo Rabelo, presidente do Instituto Homem Pantaneiro (IHP).

O Pantanal registrou número recorde de queimadas em junho, embora ainda falte mais de uma semana para o final do mês.

O bioma, importante planície de inundação contínua, enfrenta uma seca histórica.

Isso significa que a água não consegue atingir diversas áreas do Pantanal.

“Estamos passando por uma seca severa, tivemos chuvas muito abaixo da média de novembro a março deste ano. Em abril choveu excepcionalmente muito, mas não foi suficiente para elevar o nível do rio a ponto de chover. se refletiu no Pantanal”, diz o biólogo Carlos Roberto Padovani, pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Pantanal.

Em maio, a Agência Nacional de Águas (ANA) declarou situação crítica de escassez hídrica na região.

O rio Paraguai — o mais importante da hidrografia pantaneira — passa por um período extremamente crítico, como mostra sua principal medição, uma régua localizada na região do Ladário, no Mato Grosso do Sul.

O mês de junho não costuma ser um período seco, que geralmente começa na segunda metade do ano.

Mas segundo dados atualizados da Marinha do Brasil, o nível do rio está atualmente em 120 centímetros. Neste período de junho, a média é de 400 centímetros.

Com chuvas insuficientes, o Pantanal tem recebido pouca ou nenhuma água para inundar sua planície, que é seca em muitas regiões.

A vegetação é seca, o que faz com que os incêndios se espalhem mais rapidamente e qualquer foco de incêndio pode se tornar grande.

Os activistas dizem que o cenário de escassez de água chamou a atenção há meses, mas admitem que não esperavam que a situação dos incêndios fosse tão intensa este mês.

Os problemas inéditos do período preocupam os próximos meses — agosto, setembro e outubro —, historicamente mais difíceis devido à seca.

No primeiro semestre deste ano, o Pantanal registrou um aumento de mais de 1.000% nos focos de incêndio em relação ao mesmo período do ano passado, segundo monitoramento de queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

A situação começou a piorar e a ficar ainda mais preocupante nas últimas semanas.

Somente nos primeiros 18 dias de junho foram registradas 1.434 queimadas no Pantanal.

É o maior número para todo o mês desde que o Inpe começou a fazer esse tipo de monitoramento, em 1998.

Ueslei Marcelino/Reuters
Seca histórica facilita propagação de incêndios, apontam especialistas

O número atual remonta ao cenário de 2020, quando o Pantanal chamou a atenção do mundo após um quarto do bioma brasileiro ter sido atingido por incêndios sem precedentes.

“Um número assustador de hectares foi queimado nas últimas semanas”, afirma o biólogo Alcides Faria, diretor da ONG Ecoa – Ecologia & Ação.

“E o vento na região é forte, de até 30 km/h, o que tem facilitado a propagação do fogo, que vem avançando muito rapidamente, enquanto os bombeiros tentam contê-lo”.

As consequências do incêndio já começaram a ser sentidas. Há registros de animais queimados, ponte atingida por fogo, vasta área de vegetação destruída, aulas suspensas em escola da região e pessoas com problemas respiratórios causados ​​pela fumaça.

Os governos federal e os governos de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, que abrigam o Pantanal, anteciparam medidas de combate às queimadas, que tendem a ser adotadas com mais intensidade nos meses considerados mais difíceis para o bioma.

Incêndios no Pantanal

Especialistas apontam que cerca de 95% dos atuais incêndios no bioma são causados ​​pela ação humana, seja intencional ou não.

“Infelizmente não há como responsabilizar pequenas ações humanas, como ações como extrair mel ou queimar pequenas folhas. E condições climáticas como baixa umidade, alta temperatura e, principalmente, vento forte, contribuem para que o fogo se espalhe a uma velocidade ritmo rápido e assustador”, diz Ângelo Rabelo, do IHP.

Outro fator apontado por especialistas é a queima de vegetação para abrir novas áreas de pastagens para a pecuária.

“O mais comum é que essas queimadas comecem com os agricultores queimando pastagens”, diz o biólogo Alcides Faria, da Ecoa.

Em entrevista à BBC News Brasil, o presidente da Associação dos Criadores de Mato Grosso do Sul (Acrisul), Guilherme Bumlai, rejeitou a possibilidade de que as queimadas que atingem o Pantanal possam ter sido resultado de ações criminosas de produtores rurais. A Acrisul é a principal representante dos pecuaristas do Estado.

“De forma alguma esses incêndios podem ser atribuídos aos produtores rurais porque eles são os maiores interessados ​​em proteger suas fazendas. Estamos em um período muito seco e há muito capim seco nas propriedades. Bumlai.

Bumlai atribuiu os incêndios no Pantanal de Mato Grosso do Sul a acidentes causados ​​por supostas ações descuidadas de pescadores e motoristas.

“Muitas vezes o pescador acende uma fogueira na margem do rio e não apaga direito. […] Também temos aquelas pessoas que não têm ideia (do perigo) e jogam uma bituca de cigarro pela janela e o fogo fica fora de controle”, afirmou.

Em meio à rápida propagação do fogo no bioma, as equipes de combate têm dificuldade para agir.

“Em uma semana ocorreram quatro ou cinco frentes de incêndio de dimensões que surpreenderam a todos no Pantanal. Os bombeiros foram chamados, mas a verdade é que temos que admitir que, às vezes, a situação chega a um nível que é humanamente difícil de lidar. com. ser controlado”, diz Rabelo.

O biólogo Alcides Faria, da Ecoa, afirma que o Corpo de Bombeiros está combatendo o incêndio, mas afirma que “está muito difícil conter os incêndios”.

“Chega uma hora que o vento fica muito forte e isso coloca em risco a vida das pessoas que estão em conflito”, afirma Faria.

“Até onde vai esse incêndio? Teremos que esperar a chuva? Esperar que haja menos vegetação para queimar?”

Equipes de bombeiros lutam para preservar pontes, vegetação e casas na região.

Há áreas atingidas pelo fogo que ainda estavam em recuperação após os incêndios de 2020.

“Essas áreas estavam em processo de restauração e foram destruídas mais uma vez”, diz Rabelo.

“Este é um impacto muito significativo na biodiversidade, porque eram áreas que ainda estavam em recuperação. Havia árvores que ainda brotavam e espécies que se estavam a restabelecer no território.”

Entre os animais atingidos pelo fogo estão, principalmente, os répteis.

“A princípio, os mais afetados são cobras, lagartos e jacarés”, diz Rabelo.

“Depois do incêndio de 2020, trabalhámos arduamente para estabelecer numerosos caminhos que pudessem ser uma rota de fuga para animais selvagens, mas ainda é um desafio proteger estas espécies”.

As consequências do incêndio

O cenário atual do Pantanal compromete a saúde das famílias da região. Entre os principais afetados estão aqueles que vivem em Corumbá (MS), onde mais de 95% da área total da cidade faz parte do Pantanal.

“A estiagem e a estiagem intensificaram as queimadas e a intoxicação pela fumaça está comprometendo a saúde das famílias ribeirinhas de Corumbá”, afirma a gerente ambiental Bárbara Banega, do programa Acaia Pantanal.

Esta semana, a cidade de Corumbá ficou coberta de fumaça. “Isso se intensificou na zona urbana na quarta-feira (19/6)”, afirma Banega.

Os especialistas geralmente alertar frequentemente que os incêndios florestais podem causar diversos problemas respiratórios, pois a fumaça contém diversos elementos tóxicos.

“Com a poluição dos rios pelas cinzas e a morte de muitos animais, a pesca e a coleta de iscas – principais fontes de renda dos ribeirinhos – foram severamente impactadas”, afirma o gestor ambiental.

Banega acrescenta que a redução da actividade turística devido ao incêndio agrava ainda mais a situação, “resultando no aumento da vulnerabilidade social e na insegurança alimentar”.

Uma escola ribeirinha, com pouco mais de 50 alunos na região, chegou a suspender as aulas por causa do incêndio há duas semanas.

A unidade de ensino voltou a funcionar nesta semana, pois o incêndio na região havia sido controlado, mas passaram a conviver com a fumaça intensa de outros incêndios no bioma.

Uma ponte de madeira foi destruída pelo fogo, que começou em uma área florestal e se espalhou rapidamente.

“O vento estava muito forte e atingiu a ponte, pois não havia mais água embaixo dela”, relata Alcides Faria, da Ecoa.

Agora, os moradores da região vivem incertezas sobre como será o bioma nos próximos meses.

Escassez de água e incêndios recordes

A preocupação atual é como será o cenário num período em que historicamente há pouca ou nenhuma chuva na região.

Fenômenos climáticos, como a passagem de El Nino e a chegada de La Ninaque afetam as temperaturas em diferentes regiões, são apontados como fatores que acentuam as dificuldades do bioma.

Em nota, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) disse à BBC News Brasil que “historicamente, o período de seca no Pantanal ocorre no segundo semestre do ano, mas as mudanças climáticas e os efeitos do El Niño anteciparam e agravaram a seca. “

Mas essa antecipação da temporada de queimadas no Pantanal já estava prevista, disse o climatologista Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), organização da as Nações Unidas.

“Já sabíamos que isso ia acontecer quando vimos aquele evento no Rio Grande do Sul”, declarou o especialista em entrevista à BBC News Brasil.

Segundo Artaxo, uma possível consequência do fenômeno climático que provocou o excesso de chuvas no Sul foi justamente uma antecipação da seca no Pantanal. “É como se as chuvas tivessem ficado presas no Rio Grande do Sul”, diz.

Na sexta-feira (14/6), o governo federal anunciou a criação de um “espaço de situação para ações de prevenção e controle de queimadas e secas em todos os biomas, com foco inicial no Pantanal”. A primeira reunião aconteceu na segunda-feira (17/6).

Os governos de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, estados que abrigam o Pantanal, anunciaram investimentos que ultrapassam mais de R$ 100 milhões em diferentes frentes de combate a incêndios.

Em nota à BBC News Brasil, o governo de Mato Grosso, que abriga 35% do bioma, afirma que o Estado enfrenta um período atípico desde o final de 2023, “com poucas chuvas e baixa umidade”.

“Como resultado, acumula-se material orgânico seco, como a turfa, o que facilitou a combustão”, disse o governo.

Entre as medidas anunciadas por Mato Grosso está a antecipação do período proibitivo de queimadas no Pantanal, que estava previsto para começar no dia 1º de julho e foi antecipado para segunda-feira (17/6).

“A forte estiagem e a baixa umidade do ar que atinge Mato Grosso este ano têm contribuído para a propagação das chamas e, por isso, o Corpo de Bombeiros pede à população que colabore e respeite o período de proibição do uso do fogo, que começou no Pantanal na segunda-feira (17/6)”, informa o governo de Mato Grosso.

Em abril, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul assinaram um Acordo de Cooperação Técnica no qual se comprometeram a realizar ações conjuntas para preservar o Pantanal.

Entre as medidas previstas estão legislação semelhante sobre o uso dos recursos naturais do bioma e o desenvolvimento de um plano de prevenção e resposta a incêndios florestais no bioma.

O governo de Mato Grosso do Sul, que abriga 65% do Pantanal brasileiro, afirma que os incêndios no bioma se multiplicaram de janeiro a junho deste ano devido a “condições climáticas muito semelhantes às ocorridas em 2020 (seca, baixa umidade ).ar, altas temperaturas e ventos fortes).”

Em nota, o governo afirma que “tem trabalhado para prevenir e proteger o bioma ao longo dos últimos anos” e destaca que em abril foi declarado “estado de emergência ambiental” para tentar conter as queimadas.

Apesar do número recorde de queimadas em junho, os dois estados e o governo federal afirmam que já estavam preparados para combater os problemas no Pantanal, como por meio da contratação de brigada e aquisição de equipamentos para combate às queimadas no bioma.



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