Esquema das joias de Bolsonaro difere do caso do relógio do Lula? Especialistas explicam

Esquema das joias de Bolsonaro difere do caso do relógio do Lula? Especialistas explicam


A decisão dos ministros reabriu a discussão sobre o destino dos presentes recebidos pelos presidentes da República. (Foto: Reprodução)

O Tribunal de Contas da União (TCU) decidiu, nesta quarta-feira (7), que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não precisa devolver um relógio de ouro Cartier recebido em razão de sua posição como chefe do Executivo, auxiliando em seu primeiro mandato em 2005. A decisão dos ministros reabriu a discussão sobre o destino dos presentes recebidos pelos presidentes da República, abrindo caminho para que a defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro questione as acusações da Polícia Federal (PF) por supostas ilegalidades na apropriação de joias valorizadas de R$ 6,8 milhões durante o mandato. Mas, segundo os juristas, há diferenças nos dois casos.

“A forma como Bolsonaro trata o caso chamou a atenção. Primeiramente, ele recebe os presentes. Até agora tudo bem. Mas ele parou de registrar alguns e os vendeu no exterior usando seus assessores. Quando o caso se tornou público e ele percebeu que poderia ser interpretado de forma criminosa, desfez a venda para tentar apagar os vestígios do mau comportamento. Ou seja, em suma, tentou lucrar com uma doação do Estado. Um procedimento no mínimo estranho”, explica o professor Rubens Beçak, mestre e doutor em Direito Constitucional pela USP.

Mestre em Direito Constitucional pela USP, Antonio Carlos de Freitas Júnior acrescenta que, além das divergências, o entendimento dos ministros do TCU não altera de imediato o processo em curso na Justiça contra Bolsonaro, uma vez que o tribunal não faz parte da estrutura do Judiciário.

“O entendimento do TCU não vincula o Judiciário. Não vincula a decisão de nenhum juiz de primeira instância, juiz de tribunais ou ministros do STJ ou do STF. Obviamente, a decisão do TCU é um bom argumento para persuadir qualquer juiz sobre a licitude da conduta. Mas não é um requisito vinculativo ou obrigatório. O entendimento do TCU ajuda na questão da retenção de objetos de acervo pessoal. Mas as condutas investigadas pela Polícia Federal não têm relação direta com a decisão do tribunal e tratam de outras especificidades”, afirma o jurista.

Acácio Miranda, doutor em Direito Constitucional pelo PDI, explica que, no caso de Bolsonaro, o Judiciário analisará peculiaridades e indícios levantados pelas autoridades ao longo da investigação.

“O caso do ex-presidente Bolsonaro tem algumas peculiaridades. Não informou a Presidência da República sobre a arrecadação. Foram alguns presentes, ele separou o mais valioso e, sem informar o acervo da Presidência, deu para um assessor vender. Então, obviamente, esse contorno, além da publicidade, da transparência e com o objetivo, mesmo que indireto, de locupletação própria será levado em consideração e difere dos demais”, afirma Miranda.

A investigação da Polícia Federal revelou que Bolsonaro desviou presentes de luxo que recebeu durante seu mandato. Segundo o relatório de acusação da PF, o ex-presidente “roubou diretamente” um relógio Patek Philippe avaliado em R$ 372 mil e esculturas douradas de um barco e uma árvore. Esses bens, segundo a Polícia Federal, foram desviados do acervo público brasileiro, sem registro na Delegacia de Documentação Histórica (GADH) da Presidência da República, e posteriormente vendidos nos Estados Unidos.

Por sua vez, o relógio Cartier de Lula, avaliado em R$ 60 mil, foi devidamente catalogado no GADH. O brinde foi recebido pelo petista em 2005, da própria fabricante de relógios. Os R$ 80 mil Piaget usados ​​por Lula não foram entregues durante seu mandato, segundo a assessoria de imprensa da Presidência da República, que informou ao Estadão, que não exigiria catalogação no acervo público.

A Polícia Federal identificou que presentes de luxo desviados da Presidência da República, inclusive aqueles que nem sequer estavam catalogados, foram vendidos nos Estados Unidos por aliados de Bolsonaro. Posteriormente, os valores obtidos com a venda de joias foram incorporados ao patrimônio do ex-presidente via dinheiro.

Em áudio obtido pela Polícia Federal, o tenente-coronel Mauro Cid, considerado o braço direito de Bolsonaro na Presidência da República, afirmou que seu pai, o general Mauro Lourena Cid, estava em posse de US$ 25 mil, que deveriam ser entregues em espécie para Bolsonaro.

“Acho que quanto menos movimento envolvido, melhor, certo? Tenho 25 mil dólares com meu pai. Eu estava vendo o que era melhor fazer com esse dinheiro, pegar em espécie. Meu pai quis até ir lá conversar com o presidente”, afirmou Mauro Cid, no dia 18 de janeiro de 2023, em conversa com o coronel Marcelo Câmara, assessor do ex-presidente. Na ocasião, Bolsonaro estava em Orlando, nos Estados Unidos.

Por outro lado, não há registros de que Lula desviou joias, nem as vendeu. O governo Bolsonaro tentou entrar no país, de forma ilegal, com um conjunto de joias e um relógio recebido de presente do governo da Arábia Saudita, em outubro de 2021. A informação é da AE.