Desde o advento do real, no dia de hoje há 30 anos, milhões de brasileiros nasceram sem ter vivido um dia sequer as dificuldades de lidar com a hiperinflação

Desde o advento do real, no dia de hoje há 30 anos, milhões de brasileiros nasceram sem ter vivido um dia sequer as dificuldades de lidar com a hiperinflação


A reunião de FHC com ex-ministros do período de implantação do Plano Real foi no dia 24 de junho). (Foto: Vinicius Doti/Fundação FHC)

O real, a moeda mais longeva da história recente do país, completará 30 anos neste 1º de julho. A distância histórica só aumenta a grandeza da concertação política entre os Poderes Executivo e Legislativo que possibilitou a aprovação do Plano Real. Certamente, a estabilidade monetária foi a maior conquista coletiva da sociedade brasileira na Nova República – pelo menos, para restaurar a sua capacidade de sonhar. Além disso, o feito tornou-se numa das mais vistosas montras do bem que só o regime democrático é capaz de fazer à Nação.

“A democracia motivou toda a estabilização”, disse Pérsio Arida, um dos idealizadores do Plano Real, durante seminário realizado há poucos dias na Fundação Fernando Henrique Cardoso por ocasião do aniversário do plano. Na verdade, a estabilização permite o planeamento. E só uma sociedade livre e dona do seu destino é capaz de planear e construir um futuro mais auspicioso para todos.

Desde o advento do real, milhões de brasileiros nasceram e cresceram sem nunca terem passado pelas dificuldades de lidar com a hiperinflação, um desastre que consumiu toda a energia do país. Para esses cidadãos mais jovens pode parecer estranho, talvez inconcebível, mas era um Brasil incapaz de olhar para qualquer um dos seus muitos problemas, muito menos de pensar e implementar políticas públicas mais permanentes para resolvê-los, absolutamente perdido por ter uma moeda em circulação que mal valia o papel em que foi impressa.

Muitos poderão perguntar-se, especialmente olhando para o passado, em contraste com a relação instável entre o governo Lula da Silva e o Congresso, impulsionado por um orçamento secreto, como foi possível superar um desafio desta magnitude. O Congresso daqueles anos atrás, na década de 1990, não era essencialmente melhor ou pior do que o Congresso atual. Foi um retrato tão fiel da sociedade como é hoje. Nem os parlamentares estavam mais ou menos desligados dos interesses paroquiais. O que existia então e não existe agora era um governo digno desse nome, com um plano claro para o país e vontade de negociar numa base minimamente republicana, ou seja, em torno do melhor interesse público.

Um plano como o Real – pensado, implementado e comunicado na forma como tudo foi feito – foi certamente um “milagre”, “um acidente histórico”, “um ponto fora da curva” ou qualquer outra expressão semelhante que o leitor queira usar em vez de . Dificilmente se repetirá, não só na área económica, mas em qualquer outra esfera da administração pública. Em primeiro lugar, houve o calibre intelectual, a capacidade administrativa e o espírito público dos envolvidos – a começar, claro, pelo presidente Fernando Henrique Cardoso.

Além disso, ao longo destas três décadas, a política, infelizmente, deixou de ser tratada como um meio civilizado de negociação da miríade de interesses em jogo na sociedade para ser apresentada por bandidos de todos os matizes como uma guerra de aniquilação. Isto torna difícil, se não proibido, a formação de consensos mínimos entre os cidadãos, como foi o caso do Real, apesar das suas diferenças políticas e ideológicas.

Apesar das singularidades do Plano Real, uma coisa é certa: um dos maiores legados dessa união de esforços única na história republicana, que será lembrado junto com suas conquistas técnicas, é o triunfo da democracia como esteio de grandes conquistas sociais e conquistas políticas. e econômico. Não foi por acaso que a superação de um dos mais terríveis males nacionais ocorreu sob o regime democrático.

Não se pode condenar quem olha para o passado e lamenta que um líder como Lula da Silva – que, aliás, foi ferozmente contra o Plano Real – tenha desperdiçado todo o seu capital político apostando numa agenda divisionista, desligada do seu tempo e irremediavelmente condenada a a falha, porque já foi testada e falhou.

Resta-nos esperar que se forme um novo alinhamento dos planetas, sabe-se lá quando, e que o Brasil seja novamente governado por um estadista que, ao lado do Congresso, restaurará a capacidade de diálogo da Nação e trará dias melhores. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.