FOLHAPRESS – O Ministério da Saúde perdeu pelo menos 58 milhões de vacinas contra a COVID-19 do seu estoque próprio desde 2021, quando foi aberta a campanha de imunização no SUS. O número refere-se a doses que sequer foram distribuídas aos estados e municípios. O volume ainda perdido no armazém da Saúde vale cerca de R$ 2 bilhões. Parte da perda foi mitigada pela troca de 4,2 milhões de doses da Moderna, avaliadas em cerca de R$ 240 milhões.
O número de doses que saíram do estoque do ministério e foram perdidas em estados e municípios é incerto, devido às discrepâncias entre os dados federais e as secretarias locais de saúde. O cruzamento de informações do ministério aponta uma diferença de mais de 175 milhões entre as doses distribuídas e aplicadas. Mas os dados dos estados indicam uma perda menor, embora muito superior à registrada no estoque federal.
“Sistemas logísticos e de movimentação de imunobiológicos diferentes e não integrados também podem contribuir para que esses dados não sejam precisos”, afirma o Ministério da Saúde, que não estima publicamente o número de doses perdidas fora do seu estoque.
Ainda há divergências sobre quantas doses foram entregues pelo ministério ao SUS. O órgão federal afirma ter enviado cerca de 20 milhões de vacinas ao Maranhão, que diz ter recebido 17 milhões. As diferenças se repetem, em diferentes escalas, nas 15 unidades da federação que responderam ao relatório.
O ministério afirma ter entregue cerca de 700 milhões de vacinas contra COVID-19 aos estados, segundo dados divulgados pelo ministério à Folha após pedido baseado na Lei de Acesso à Informação. O mesmo número não é atualizado há mais de um ano no site do departamento chefiado por Nísia Trindade.
Divergências
O governo Jair Bolsonaro (PL) comprou mais de 70% das vacinas que expiraram no estoque da Saúde, ou seja, que não chegaram a estados e municípios. Esses lotes são majoritariamente da AstraZeneca/Fiocruz e expiraram na gestão anterior ou foram herdados com prazo de validade curto pelo governo Lula (PT).
As ações negacionistas de Bolsonaro e o desdém pela pandemia foram temas da campanha de Lula em 2022, mas o Ministério da Saúde ainda luta para organizar a imunização contra a COVID-19. O atraso na compra de vacinas e a escassez de doses neste ano atraíram críticas ao governo petista por parte de membros da comunidade científica e de profissionais de saúde.
A conta de vacinas vencidas no estoque da Saúde ainda inclui pelo menos 80% de um lote de 10 milhões de doses da Coronavac adquirido no final de 2023, quando a vacina estava fora de uso no SUS. Só o desperdício com essas vacinas ultrapassou R$ 260 milhões.
O TCU (Tribunal de Contas da União) já afirmou que há obstáculos para identificar o número de doses perdidas em estados, municípios e no estoque da Saúde. Em levantamento preliminar, o tribunal estimou que 54,2 milhões de vacinas estavam vencidas nos estados e municípios em setembro de 2022. Essas doses valeriam cerca de R$ 2,1 bilhões. A agência também apontou o risco de perder mais 128 milhões de unidades que tinham prazo de validade curto na época.
O TCU também detectou lacunas nos dados, como atrasos no registro das doses administradas, e disse que o somatório não leva em conta vacinas que, por exemplo, foram descartadas por falhas técnicas. Em outubro de 2023, a Justiça determinou que o ministério fizesse uma busca mais robusta por doses perdidas fora do seu estoque, além de uma série de correções em relação às entregas de vacinas ao SUS. O resultado desse trabalho ainda não foi divulgado e avaliado pela Justiça.
Obstáculos
A entrada das vacinas COVID nas campanhas de imunização do SUS, em momento de crise sanitária, fez aumentar o número de vacinas perdidas e descartadas pelo governo federal. Como mostrou o jornal O Globo, o volume incinerado no governo Lula supera os 4 anos de Bolsonaro. Os dados de todo o estoque do ministério passaram a ser confidenciais por decisão do governo Michel Temer (MDB) e assim foram mantidos no governo Bolsonaro.
No início de 2023, quando os dados foram novamente divulgados, a Folha revelou que já havia cerca de 40 milhões de vacinas contra COVID perdidas em estoque. Na época, os lotes vencidos foram avaliados em cerca de R$ 2 bilhões pelo ministério, valor superestimado e recalculado em respostas mais recentes da secretaria. Este valor só foi alcançado com o stock atualmente perdido.
Integrantes do ministério apontam que diversos fatores levam à perda de vacinas. Entre elas, a atualização dos modelos de imunização para combater novas variantes da COVID. Em determinados momentos, a Saúde restringiu o uso de doses da Janssen e da AstraZeneca, para favorecer as de mRNA, como Pfizer e Moderna. Devido a esse tipo de escolha, algumas vacinas que estavam em estoque acabaram não sendo utilizadas, afirma o ministério.
Gestores estaduais ainda afirmam que há desafios no manejo das vacinas, como as baixíssimas temperaturas das doses de mRNA, que exigem o uso de ultrafreezers. Em geral, os municípios não dispõem deste equipamento. As vacinas são então armazenadas nos centros estaduais e distribuídas a pedido das prefeituras, que depois as armazenam em freezers convencionais. Quando são descongeladas, porém, os prazos de validade diminuem e as vacinas precisam ser administradas em algumas semanas.
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“A perda de vacinas contra a Covid-19 está intimamente ligada a diversos fatores, como adesão da população, resistência à vacinação devido a notícias falsas, rápida mudança na composição e plataforma tecnológica para produção de vacinas, o que impacta a adesão da população, bem como validades e diferentes condições de armazenamento e transporte”, afirma o ministério.
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