Conselho vai recorrer de decisão de aborto que une governo e bolsonaristas

Conselho vai recorrer de decisão de aborto que une governo e bolsonaristas


O presidente do Conanda defende que “a resolução não inova nada, apenas traduz e detalha o que já está previsto” na legislação. (Foto: Reprodução)

O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) vai recorrer da decisão da Justiça Federal de Brasília, que suspendeu os efeitos da resolução que regulamenta o aborto legal em crianças e adolescentes. Na última segunda-feira (23), o Conanda, vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, aprovou o documento em assembleia extraordinária, na qual os 15 representantes da sociedade civil votaram a favor e os 13 membros do governo foram contra. No dia seguinte, a pedido da senadora Damares Alves (Republicanos-DF), a resolução foi revogada.

“Vamos recorrer. Lutaremos de todas as formas para que o texto entre em vigor”, afirma a presidente do Conanda, Marina de Pol Poniwas, para quem o “governo quer atrasar o processo”.

A resolução visa garantir atendimento humanizado às vítimas com direito ao procedimento, conforme previsto na legislação: nos casos de gravidez resultante de violência sexual, risco à vida da gestante e quando o feto apresentar anencefalia. O texto destaca que, identificada a situação de aborto legal e manifestado o desejo de interrupção da gravidez, a criança e o adolescente deverão ser encaminhados aos serviços de saúde pelo órgão do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente para a realização do aborto.

Marina defende que “a resolução não inova nada, apenas traduz e detalha o que já está previsto” na legislação. “A resolução é um passo a passo para orientar o sistema. Nosso papel, com este documento, é traduzir, detalhar e explicar o que já está previsto na legislação. Não vamos criar uma lei nem inovar nada. Não temos esse poder”, diz ele.

Posições diferentes

Ao defender a suspensão do texto, Damares afirmou que houve um descuido regulatório durante a votação. Ao acolher os argumentos do senador, o juiz federal Leonardo Tocchetto Paupério disse que o indeferimento do pedido de revisão durante a assembleia violou o devido processo jurídico administrativo e agiu de forma “contrária à legalidade e à segurança jurídica que devem ser inerentes aos atos do administração”.

Na assembleia, integrantes do governo Lula entenderam que a medida, com sua redação atual, deveria ser regulamentada por lei aprovada pelo Congresso. Segundo o MDHC, liderado pelo ministro Macaé Evaristo, os representantes questionaram os termos da resolução e solicitaram pedido de revisão para uma análise mais detalhada da proposta.

O ministério solicitou parecer da assessoria jurídica do ministério, que “indicava, entre outros aspectos, que o projeto de resolução apresentava definições que só poderiam ser previstas em lei — a serem aprovadas pelo Congresso Nacional, indicando a necessidade de aprimoramento e revisão de o texto, garantindo maior alinhamento ao arcabouço jurídico brasileiro”.

Apesar dos pedidos, o pedido de revisão apresentado foi rejeitado pelo plenário do Conanda e o texto foi aprovado, mas foi suspenso no dia seguinte

Em nota, a campanha “Nem Presa Nem Morta”, que defende a descriminalização do aborto no Brasil, e o Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, com foco na atenção primária à saúde das mulheres, afirmaram que “a atitude do governo foi constrangedora”. “É um tema polêmico e debatido há anos. Parece que o governo ainda não está disposto a entrar nesse debate — afirma Laura Molinari, coordenadora da campanha.”

A advogada Amanda Nunes, do Instituto de Bioética (Anis), também argumentou que a norma busca dar clareza ao que já está na lei. “A resolução não tem força de lei, mas sim, força normativa. É infralegal, baseado na legislação. O documento do Conanda busca dar maior clareza e organizar o que está na lei sobre aborto e saúde de crianças e adolescentes. Portanto, caso o documento entre em vigor, os órgãos ficam obrigados a cumprir o que está estipulado no texto”, explicou o advogado.

O Conanda é o órgão máximo deliberativo em políticas de proteção e promoção dos direitos de crianças e adolescentes no Brasil e é responsável por monitorar e regulamentar as políticas públicas, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A informação é do jornal O Globo.