Aprovados em concursos, médicos com pós-graduação são impedidos de assumir vagas, denuncia entidade

Aprovados em concursos, médicos com pós-graduação são impedidos de assumir vagas, denuncia entidade


O impasse está relacionado à exigência do Cadastro de Qualificação de Especialista. (Foto: EBC)

Médicos pós-graduados aprovados em concursos públicos têm sido impedidos de ocupar vagas, mesmo em regiões carentes, devido à exigência do Registro de Qualificação de Especialista (RQE) – concedido a quem faz residência ou cursos em sociedades privadas vinculadas à Associação Médica Brasileira ( AMB). ). A denúncia é da Associação Brasileira dos Médicos com Especialização em Pós-Graduação (Abramepo).

“Em decisões recentes, a Justiça Federal reconheceu que a imposição é ilegal, pois contraria a Lei 3.268/1957 e desrespeita as garantias constitucionais que asseguram o livre exercício do trabalho”, destaca a entidade fundada em 2017 e sediada em Belo Horizonte (MG). .

Um profissional que prefere não se identificar (alegando temer represálias) conta que se candidatou a uma vaga de psiquiatra em uma prefeitura do interior de São Paulo. Ele foi aprovado, se apresentou e foi informado que não poderia assumir.

“Há falta de psiquiatras em todo o Brasil. Tenho qualificação, tenho experiência na área, mas fui impedido de assumir por causa de uma norma ilegal”, protesta. “Enquanto isso, moradores da cidade que dependem do SUS esperam mais de um ano por consulta porque faltam profissionais.”

Atualmente existem pelo menos 275 mil médicos no Brasil sem fase de residência. Por norma do Conselho Federal de Medicina (CFM), esses profissionais não podem informar aos pacientes sobre suas especialidades, sejam elas obtidas por meio de cursos de pós-graduação lato sensu, mestrado, doutorado ou pós-doutorado.

Um desses profissionais também é psiquiatra, com duas pós-graduações e mais de oito anos de experiência na especialidade. Ele foi o único aprovado em concurso no Paraná: “Sou psiquiatra desde 2017 na cidade. Tenho duas pós-graduações, fui o único aprovado no concurso, mas fui impedido de assumir. A discriminação é clara, mas quem sofre é a população, que fica sem cuidados em meio a uma epidemia de transtornos mentais.”

A situação ocorre tanto em competições de nível municipal quanto federal. Em abril, a Abramepo requereu à Justiça Federal a contestação das regras dos oito editais do Concurso Público Unificado – o “Enem dos Concursos”, realizado pelo governo federal.

O edital de concurso impõe restrições discriminatórias ao exigir que os laudos médicos apresentados pelos candidatos sejam assinados exclusivamente por profissionais que possuam residência médica ou RQE. O advogado da Abramepo, Bruno Reis Figueiredo comenta:

“Trata-se de grave violação à Lei Federal 3.268/57, que determina que todo médico com diploma validado pelo Ministério da Educação e registrado no respectivo Conselho Regional pode exercer a medicina em qualquer de suas especialidades.”

O presidente da Abramepo, Eduardo Costa Teixeira, destaca que a exigência do RQA tem impacto social direto aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS): “Ao restringir o exercício profissional pleno, esse tipo de discriminação restringe o acesso de grande parte da população para especialistas, um dos maiores gargalos do SUS nos mais variados municípios brasileiros”.

Nenhuma melhoria esperada

A disparidade entre o número de médicos formados anualmente e as vagas disponíveis na residência médica é alarmante e cresce ano a ano. Estatísticas citadas pela Abramepo de 2023 apontavam um déficit de 11.770 vagas em 2022, provocando uma reação em cadeia que é amplificada por medidas discriminatórias como as adotadas em concursos.

“Enquanto isso, centenas de milhares de médicos pós-graduados em cursos validados e fiscalizados pelo Ministério da Educação ficam impedidos de ocupar vagas no SUS”, finaliza o presidente da entidade.