SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Milícias comandadas por integrantes da GCM (Guarda Civil Metropolitana) são acusadas de movimentar pelo menos R$ 4 milhões desde 2020 com a venda de proteção ilegal a comerciantes do entorno da Cracolândia, região central de São Paulo, segundo apurou investigações lideradas pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado de São Paulo), do Ministério Público estadual.
Documentos obtidos por Folha apontam que agentes da Prefeitura de São Paulo são alvo de mandados de prisão na megaoperação lançada nesta terça-feira (6) que atinge os responsáveis por atividades ilícitas que alimentam um ecossistema de crimes no centro da capital paulista, sob o controle territorial do PCC (Primeiro Comando da Capital).
Afastado da GCM em junho do ano passado, sob suspeita de cobrar mensalidade de comerciantes da região central para afastar usuários de drogas de suas lojas, o guarda Antonio Carlos Amorim Oliveira movimentou R$ 4 milhões entre 2020 e 2024. Os valores constam de um documento relatório de inteligência produzido pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) a pedido do Gaeco.
Os valores foram repassados a outros dez agentes que integravam o esquema, segundo as investigações. “Existe uma rede de corrupção muito grande, que envolve policiais, fiscais e GCM. Não há como manter normal uma situação como essa”, afirma o promotor Lincoln Gakiya, responsável pelas investigações. Outro guarda municipal afastado, Elisson de Assis, também aparece nas demonstrações financeiras de Oliveira.
Assis havia sido apontado como chefe de uma milícia cujas transações, realizadas por meio da empresa registrada em nome de sua esposa, Mayara Ximenes do Nascimento, continham uma lista de controle de pagamentos para segurança de empresas e condomínios, intitulada “Lista de Colaboradores de Good Faith Who Paid for Security”, que incluía um “prazo” para o acordo.
Entre as movimentações feitas por Assis está um repasse de R$ 106,1 mil destinado a outro integrante do GCM.
Oliveira e Assis integram o Iope, considerada a tropa de elite da guarda do município, comandada por Ricardo Nunes (MDB), candidato à reeleição. “Os maus GCMs e policiais têm acesso à informação, procuram comerciantes na região e pedem R$ 70 mil para retirar dependentes químicos da região. Quem paga também comete crime”, explica Gakiya.
A operação foi realizada sem a participação da prefeitura, segundo o procurador. “Não se pode denunciar aqueles que permaneceram em silêncio durante décadas”, diz ele.
Além da taxa de proteção, a milícia do centro de São Paulo também vende armas ilegalmente. O inativo GCM Rubens Alexandre Bezerra, também alvo de mandado de prisão, é acusado pelo Ministério Público de vender armas, munições e outros artefatos para cometer crimes.
Em seu celular, apreendido em outra operação do Ministério Público voltada ao comércio ilegal de peças automotivas, em 2023, detalhes de negociações de armas de pequeno e grande calibre, curtas e longas, automáticas e semiautomáticas, além de fuzis , foram achados.
Bezerra negociou a venda de um dispositivo para bloquear sinais de radiofrequência, comumente usado em roubos de cargas para fugir de rastreadores de caminhões, além de outro dispositivo capaz de clonar a frequência de comunicação policial para ajudar os criminosos a se anteciparem às operações de combate ao crime.
Também foram flagradas negociações de um dispositivo usado para clonar sinais de portões eletrônicos e veículos.
As investigações também levaram ao pedido de prisão preventiva de uma quarta guarda civil, Renata Oliva de Freitas Scorsafava. Ela realizou movimentações financeiras atípicas em sua conta, como transferências de até R$ 116,4 mil para integrantes das forças de segurança, incluindo policiais e guardas civis e militares. O marido dela, militar da PM, e GCM Oliveira, acusado de fazer parte do esquema, estão entre os beneficiados pelos depósitos. “Tal conduta deixa claro que ela também faz parte da milícia responsável pela extorsão”, afirma Gakiya.
ENTENDA A OPERAÇÃO
Liderada pelo Gaeco, a operação desta terça contou com a participação das Polícias Militar, Civil Federal e Rodoviária Federal, além do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Ministério Público do Trabalho, Receita Federal e Estadual, Anatel (Agência Nacional de Telefonia) e Secretaria Governamental de Assistência Social.
A ideia, segundo os promotores, é estabelecer um novo modelo de intervenção capaz de abranger a complexidade do território, que tem como problemática mais visível o consumo de drogas em cenas abertas de consumo. O abuso de drogas, porém, ocorre em meio a crimes de lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva, abuso de menores, recebimento de roubos e furtos e também condições de trabalho análogas à escravidão.
Com atuação multidisciplinar, o Gaeco pretende desestruturar esse ecossistema de atividades ilícitas e, assim, romper com o monopólio do PCC nesta região do centro de São Paulo.
A operação inclui 85 mandados de busca e apreensão, 48 medidas de confisco e bloqueio de bens, 45 medidas de suspensão de atividades económicas e interdição de estabelecimentos através do seu encerramento e sete detenções de pessoas identificadas como líderes ou intervenientes-chave na atividade destes grupos criminosos. .
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